sexta-feira, 12 de abril de 2013

Uruçuí, a rota da grilagem no Piauí


Juiz Heliomar Ferreira
Com o clima, os índices pluviométricos e os solos propícios para o cultivo da soja, a região do cerrado piauiense, que ocupa 37% do estado, apresenta um dos rendimentos mais elevados do país, chegando a 3,3 toneladas por hectare. No passado, trocava-se um hectare por um saco de feijão. Hoje, com a supervalorização da terra, brotou ali uma indústria de fabricação de títulos de propriedade com a ajuda dos cartórios. O corregedor de Justiça do Piauí, desembargador Paes Landim, disse que, se os títulos registrados na região fossem sérios, teriam de existir cinco camadas de terra sobrepostas para dar conta de todas as escrituras.
A situação envolvendo cartórios tem como principal cenário Bom Jesus, capital da soja, a 635 quilômetros de Teresina. É ali que trabalha o juiz Heliomar Rios Ferreira, titular da Vara Agrária do Piauí, criada em 2012 pela Lei Complementar 171, para enfrentar o grande número de decisões contraditórias dadas pela própria Justiça em questões fundiárias. Sua jurisdição responde pelas 23 comarcas do estado e lida com 1.262 processos envolvendo cartórios com crimes contra o sistema financeiro, falsificação de documentos, homicídio, prevaricação, improbidade administrativa, corrupção ativa e passiva.
Relatório produzido pela Corregedoria de Justiça do Piauí, em setembro do ano passado, concluiu, com base na inspeção na rede extrajudicial, que o sistema cartorário piauiense está instalado “em meio a um verdadeiro caos administrativo, que se manifesta, muitas vezes, como caos registral, além de se encontrar na pré-história da informatização dos serviços cartorários”. A equipe reconheceu que a própria Corregedoria “está totalmente despreparada não somente para abordar, em todos os seus aspectos, a realidade cartorária, no estado do Piauí, como, também, para empreender a modificação dela”.
O juiz Heliomar Ferreira faz o que pode. Pediu o afastamento imediato de oito titulares de cartórios e decidiu pelo bloqueio de todas as matrículas de terras públicas devolutas que não tinham registro ou apresentavam documentos de origem duvidosa. Foi o caso de 6,5 milhões de hectares em Uruçuí, na Serra do Quilombo, vendidos ao preço de R$ 6 milhões por Maria do Ó a Rejane Marceles Ferreira do Nascimento com escritura passada no 1º Ofício de Bom Jesus:
— Mas esse título nunca existiu. É terra do estado ou terra de alguém. A pessoa vende e desaparece — diz o juiz.
Mas a fatura pelo bloqueio de matrículas não demorou a chegar. Em novembro passado, o Tribunal de Justiça do Piauí determinou a entrega de um carro blindado para o juiz, que corre risco de vida desde que começou a combater a grilagem na região dos cerrados. Até a semana passada, porém, a providência não havia sido tomada.
Posse contestada
A região de Bom Jesus tem população esparsa, e sua ocupação teve início 15 anos atrás, por agricultores e fazendeiros do Sul do Brasil, que foram atraídos pela qualidade da área para o cultivo de soja.
O dentista gaúcho Luciano Curioni, de 36 anos, é um deles. Ele chegou à região em 2010, quando os valores da terra não estavam tão altos, comprando uma área de quatro mil hectares ao lado de um conterrâneo em Quilombo, uma das mais férteis do cerrado. Começou com o arroz, que é menos exigente, até chegar à soja. No cartório, o funcionário mostrou-lhe a matrícula e a anotação de que a terra fora criada por demarcação amigável. Porém, o registro foi bloqueado pelo juiz agrário, e agora há uma ação de reintegração de posse ajuizada por um desconhecido;
— Há 50 dias, só mexo com documentos. Não consigo ter tempo para trabalhar na terra. Já começou a janela do plantio — lamentou.
Fonte: Globo.com 
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