Juiz Heliomar Ferreira |
A situação envolvendo cartórios tem como principal cenário Bom
Jesus, capital da soja, a 635 quilômetros de Teresina. É ali que trabalha o juiz
Heliomar Rios Ferreira, titular da Vara Agrária do Piauí, criada em 2012 pela
Lei Complementar 171, para enfrentar o grande número de decisões contraditórias
dadas pela própria Justiça em questões fundiárias. Sua jurisdição responde
pelas 23 comarcas do estado e lida com 1.262 processos envolvendo cartórios com
crimes contra o sistema financeiro, falsificação de documentos, homicídio,
prevaricação, improbidade administrativa, corrupção ativa e passiva.
Relatório produzido pela Corregedoria de Justiça do Piauí, em
setembro do ano passado, concluiu, com base na inspeção na rede extrajudicial,
que o sistema cartorário piauiense está instalado “em meio a um verdadeiro caos
administrativo, que se manifesta, muitas vezes, como caos registral, além de se
encontrar na pré-história da informatização dos serviços cartorários”. A equipe
reconheceu que a própria Corregedoria “está totalmente despreparada não somente
para abordar, em todos os seus aspectos, a realidade cartorária, no estado do
Piauí, como, também, para empreender a modificação dela”.
O juiz Heliomar Ferreira faz o que pode. Pediu o afastamento
imediato de oito titulares de cartórios e decidiu pelo bloqueio de todas as
matrículas de terras públicas devolutas que não tinham registro ou apresentavam
documentos de origem duvidosa. Foi o caso de 6,5 milhões de hectares em Uruçuí,
na Serra do Quilombo, vendidos ao preço de R$ 6 milhões por Maria do Ó a Rejane
Marceles Ferreira do Nascimento com escritura passada no 1º Ofício de Bom
Jesus:
— Mas esse título nunca existiu. É terra do estado ou terra de
alguém. A pessoa vende e desaparece — diz o juiz.
Mas a fatura pelo bloqueio de matrículas não demorou a chegar.
Em novembro passado, o Tribunal de Justiça do Piauí determinou a entrega de um
carro blindado para o juiz, que corre risco de vida desde que começou a
combater a grilagem na região dos cerrados. Até a semana passada, porém, a
providência não havia sido tomada.
Posse contestada
A região de Bom Jesus tem população esparsa, e sua ocupação teve
início 15 anos atrás, por agricultores e fazendeiros do Sul do Brasil, que
foram atraídos pela qualidade da área para o cultivo de soja.
O dentista gaúcho Luciano Curioni, de 36 anos, é um deles. Ele
chegou à região em 2010, quando os valores da terra não estavam tão altos,
comprando uma área de quatro mil hectares ao lado de um conterrâneo em
Quilombo, uma das mais férteis do cerrado. Começou com o arroz, que é menos
exigente, até chegar à soja. No cartório, o funcionário mostrou-lhe a matrícula
e a anotação de que a terra fora criada por demarcação amigável. Porém, o
registro foi bloqueado pelo juiz agrário, e agora há uma ação de reintegração
de posse ajuizada por um desconhecido;
— Há 50 dias, só mexo com documentos. Não consigo ter tempo para
trabalhar na terra. Já começou a janela do plantio — lamentou.
Fonte: Globo.com