Por Felipe Milanez*
Com preces a
Cristo, menções à Bíblia, pedidos de perdão, falsas testemunhas de defesa e
ameaças às de acusação, o apontado de ser o mandante de um crime de pistolagem
e seus advogados conseguiram convencer o júri da ausência de provas contra ele.
José Rodrigues Moreira era acusado de mandar matar o casal de extrativistas
José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, em maio de
2011. Mas foi absolvido. Está livre. Seu irmão, Lindonjonson Silva, e seu
comparsa, Alberto Nascimento, foram condenados pela execução do casal. O
primeiro cumprirá pena de 42 anos e 8 meses pelo duplo homicídio. O segundo, 45
anos. Ainda assim, apenas por maioria dos votos.
Em Marabá, no
Pará, o júri não encontrou nenhuma conexão entre as ameaças que José Rodrigues
fazia ao casal e o assassinato. Ao contrário, a vítima ainda foi considerada
culpada por sua própria morte, pois, no caso das condenações dos dois
assassinos, o júri considerou que o “comportamento da vítima contribuiu para o
crime, pois a vítima enfrentou o réu José Rodrigues, tentando fazer justiça
pelas próprias mãos, com a ajuda de terceiros, posseiros e sem-terra, para
impedir o corréu de ter a posse de imóvel rural, quando poderia ter procurado
apoio das autoridades constituídas”.
“Estou perdido”, disse, atônito, José Maria
Gomes Sampaio após o veredicto. Casado com Laísa Santos Sampaio, a irmã de
Maria, ele foi uma das principais testemunhas de acusação. Seus olhos estavam
não apenas vermelhos por causa do choro, mas também do medo. Perguntado se
voltaria para o assentamento, onde teme ser assassinado, ele simplesmente
repetiu: “Estou perdido”. Sua esposa, Laísa, é ameaçada de morte e tem escolta
policial, de acordo com Igo Martini, coordenador-geral do Programa de Proteção
aos Defensores dos Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos da
Presidência. Martini esteve presente em todo o julgamento e garantiu que uma
testemunha fundamental para a condenação dos dois executores também está em
contato com a secretaria para ser oferecida a proteção.
Nilton de Lima
fazia uma cerca na manhã do dia 24 de maio de 2011, quando viu passar
Lindonjonson na moto com um acompanhante. Ele confirmou no Tribunal que era
mesmo Lindonjonson, pois havia estado com ele em um bar dias antes. Na saída do
Tribunal, um irmão de José Rodrigues trombou com ele. Bateu em seu peito, antes
de ameaçar: “Sua batata também está esquentando”.
Laísa
testemunhou na frente dos acusados e, apesar de estar inscrita no programa
federal, ela não possui proteção na área e não sabe se voltará ao assentamento.
Emocionada, não conseguia comentar o veredicto. Indignado, o advogado da
Comissão Pastoral da Terra, José Batista, amigo das vítimas, também não quis
comentar.
Durante o
julgamento, outra testemunha, Joeuza Pereira da Silva, disse ter visto
Lindonjonson no exato momento do crime numa moto no interior de Novo
Repartimento, outra cidade do Pará. Seria o álibi para salvar o irmão de
Rodrigues. Mas sua mentira foi desvendada pela promotora pública Ana Maria
Magalhães. Quando perguntada “quem seria o iluminado que descobriu que a
senhora teria visto a vítima?”, Joeuza passou a chorar e parou de falar.
Responderá pelo crime de falso testemunho.
Durante o
depoimento de José Rodrigues, ele ajoelhou-se e pediu perdão, segurando uma
pequena Bíblia. Após negar qualquer envolvimento e dizendo que não teria
reagido à disputa do lote que deu origem ao conflito, apenas “entregando a
Deus”, ele passou a agir de forma a impressionar os jurados. De joelhos e com a
mão levantada, ele agradeceu aos céus, pediu bênção a todos e disse que não
devia nada nem tinha mandado matar ninguém. “Sou pessoa trabalhadora”, afirmou.
“Repito mais uma vez: eu não devo, eu não devo, eu não devo”, e chorou.
Balbuciou palavras bíblicas e pediu a Jesus Cristo para ser devolvido a seus
filhos, que estavam ali na frente. Disse ser pai de família. A reação não havia
surpreendido o público e a cena pareceu planejada. Para a primeira jurada do
lado esquerdo, não. Ela se emocionou. Deixou escorrer lágrimas e sentiu-se tocada.
A jurada é evangélica.
Ao notar a
emoção da jurada com a cena do réu, segundo uma fonte que pediu para não ser
identificada, a promotora teria solicitado ao juiz a sua exclusão do processo,
pois ela não teria o distanciamento necessário para julgar a questão. Segundo
essa mesma fonte, o juiz teria respondido de forma ameaçadora, dizendo que
nesse caso ele iria suspender o julgamento e expedir o alvará de soltura aos
réus. A acusação teria, então, decidido não pedir a sua exclusão.
Segundo o
assistente de acusação, Aton Fon Filho, a religiosidade manifestada no
depoimento mostra ardilosidade. “Eles planejaram o crime numa cerimônia
religiosa”, diz ele, em referência a uma missa em que José Cláudio e Maria
seriam padrinhos de um batismo. José Rodrigues teria utilizado a ocasião para
apontar a seu irmão Lindonjonson quem seria a vítima do crime de encomenda,
algo não comprovado, segundo o júri.
O promotor
Danyllo Pompeu Colares antecipou que vai recorrer da decisão e que “o ideal da
preservação da floresta não se extinguiu com a morte do Jose Cláudio e Maria do
Espírito Santo”. O advogado de José Rodrigues, Wandergleisson Fernandes Silva,
pastor evangélico da Assembleia de Deus, disse que vai recorrer da condenação
de Lindonjonson e atribuiu a falta de mais tempo de debates para poder provar a
inocência do réu. “Houve uma festa da democracia”, comemorou o advogado.
Para o juiz
Murilo Lemos Simão, esse foi o processo de maior
repercussão da história de Marabá e que “a sociedade civil está muito bem
representada”. Do lado de fora do Fórum, houve revolta por parte dos movimentos
sociais em vigília. A ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos
Humanos, declarou que “faltou punição ao mandante da morte” e que “a justiça só
será feita quando for punido o mandante do crime.”
Presente em todo
o julgamento, o frei Henri des Roziers, da CPT de Xinguara, ameaçado de morte,
acredita que a defesa “foi esperta para manipular os jurados com o uso da
religiosidade e da emoção”. Para a liderança do MST, Charles Trocate,
aconteceu a demonstração de um comportamento histórico do Judiciário paraense.
“É uma vergonha para o Judiciário, para sociedade brasileira e especialmente
para os movimentos sociais que aqui estavam organizados. E vai resultar em
confronto porque o Judiciário sempre responde assim, com polícia”, disse ao
apontar para o avanço da tropa de choque contra as pessoas que fizeram
mobilização na parte externa do Fórum. A rodovia Transamazônica foi
interditada. Pedras atiradas no Fórum. Demorou mais de uma hora para os gritos
pedindo justiça silenciarem. Por falta de voz.
*Publicado
originalmente no sítio da revista Carta Capital.