domingo, 21 de abril de 2013

Uso da Força Nacional atropela governadores

Renata Mariz*

Decreto editado discretamente pela presidente Dilma dá aos ministros o poder de enviar tropas para qualquer parte do país

De forma discreta, em meio a 13 artigos distribuídos em cinco capítulos, um decreto cujo objetivo era implantar um gabinete integrado de proteção do meio ambiente trouxe, embutida, uma alteração crucial na forma de atuar da Força Nacional de Segurança Pública. A polícia administrada pelo Ministério da Justiça só podia, até então, ser empregada mediante solicitação expressa do governador da unidade da Federação que sofresse de problemas graves na área de segurança pública. Agora, também passa a ser prerrogativa de ministros de Estado requisitar a força para atuar em qualquer parte do território nacional.

Publicada sem alarde há pouco mais de um mês pela presidente Dilma Rousseff, a norma é considerada uma manobra do governo federal para blindar obras polêmicas de protestos e manifestações que possam por em risco a conclusão dos empreendimentos, como a construção das megausinas de Belo Monte e Jirau.

Na avaliação do subprocurador-geral da República Eitel Santiago de Brito Pereira, a norma traz uma “grave inconstitucionalidade” ao permitir a quebra do pacto federativo. Conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Valmir Pontes Filho vai levar o assunto à presidência da entidade para avaliar a possibilidade de questionar parte do decreto por meio de uma ação judicial. Para ele, que também é presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB, a autonomia política e administrativa dos entes da Federação não pode ser alterada nem mesmo por emendas à Constituição, “muito menos por um mero decreto”.

“O decreto, infelizmente, vai além do que pode, vulnerando uma cláusula pétrea”, destaca Pontes Filho. O entendimento é o mesmo do subprocurador Brito Pereira. “Fora de hipóteses excepcionalíssimas previstas no artigo 34 da Carta Magna, a intervenção determinada por qualquer ministro de Estado pode configurar um ato autoritário e antidemocrático”, afirma o subprocurador-geral da República.

Para os movimentos sociais, sobretudo os que militam em favor de comunidades atingidas pelas grandes obras do governo federal, o decreto carrega um propósito político. “Não temos dúvida de que o objetivo é impor os megaprojetos, como a construção de usinas hidreléticas em terras indígenas”, denuncia o assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Adelar Cupsinski.

Chefe da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, Regina Miki assegura que não há inconstitucionalidade no decreto, cujo objetivo é agilizar o emprego da Força Nacional quando bens da União estiverem em risco. “Cada ministro só pode atuar estritamente no limite de suas atribuições”, garante. Regina usa o exemplo dos defensores de direitos humanos ameaçados de morte. “Para que a força fizesse a proteção deles, demorava muito. Agora, a ministra Maria do Rosário, por exemplo, poderá solicitar”, exemplifica.

Ela ressalta não ter recebido nenhuma crítica em relação ao decreto, mas antecipou que, “se existirem”, são infundadas. “Nós estamos dentro do Estado Democrático de Direito. Jamais poderíamos nos insurgir, nem a Força Nacional nem qualquer outra instituição policial, contra os movimentos sociais”, diz a secretária.

Na avaliação de Cupsinski, entretanto, as intenções são outras. Ele lembra uma decisão recente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) que, ao julgar em fevereiro recurso apresentado pelo Ministério Público Federal no Pará contra a força, decidiu que o grupo policial criado em 2004 estava amparado na Constituição. “Poucos dias depois, vem esse decreto. Tenho certeza de que governo só estava esperando o TRF julgar, com base nas regras da época, para criar esse dispositivo que inclui os ministros”, diz Cupsinski.

Na última semana, o mesmo TRF-1 determinou a paralisação da Operação Tapajós, no Pará, que envolve a Força Nacional, as polícias Federal e Rodoviária Federal e agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), onde será erguida a Usina Hidrelétrica São Luís do Tapajós. O empreendimento causa impactos na terra dos índios da etnia Munduruku, que vêm se manifestando contrários à obra.

*Fonte: Correio Braziliense – 21 de abril de 2013

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