Por Raphael Tsavkko Garcia*
Um escândalo de espionagem a
mando do governo brasileiro estourou no meio do canteiro de obras da usina de Belo
Monte. Um agente infiltrado foi flagrado colhendo informações sobre o
movimento contrário à instalação da hidrelétrica. Porém, essa não é a
única obra onde a oposição a projetos governamentais está sob vigilância da
Agência Brasileira de Inteligência.
O alerta aconteceu a 24
fevereiro de 2013, numa reunião de planejamento anual do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, um
coletivo de organizações e movimentos sociais e ambientalistas da região de
Altamira, Pará, que se opõe à instalação da terceira maior hidrelétrica do
mundo no rio Xingu. Segundo o relato no
website do movimento, foi detectado que “um dos participantes, Antônio, recém
integrado ao movimento, estava gravando a reunião com uma caneta espiã”:
Em dezembro [de 2012],
segundo o depoente, ele passou a espionar o Xingu Vivo, onde se infiltrou em
função da amizade de sua família com a coordenadora do movimento, Antonia Melo.
Neste período, acompanhou reuniões e monitorou participantes do movimento,
enviando fotos e relatos para o funcionário do CCBM [Consórcio Construtor de
Belo Monte], Peter Tavares.
Foi Tavares que, segundo
Antonio, lhe deu a caneta para gravar as discussões do planejamento do
movimento Xingu Vivo. O espião também relatou que este material seria analisado
pela inteligência da CCBM, e que, para isso, contaria com a participação da
ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), que estaria mandando um agente para
Altamira esta semana.
No seu depoimento, gravado pelo
Xingu Vivo, o funcionário e espião do CCBM/ABIN, confessa que recebia 5 mil
reais para passar informações à agência sobre atividades do movimento:
O movimento pediu ao
Ministério Público Federal para garantir a segurança deste e de membros do
Xingu Vivo, além de pedir a investigação das denúncias.
Já em junho de 2011, a ABIN
havia divulgado um relatório sobre
o Movimento Xingu Vivo Para Sempre, afirmando que a organização recebia
financiamento estrangeiro. A nota de reposta do movimento foi citada pelo
Instituto Humanitas Unisinos:
O relatório sigiloso da Abin
é “patético” porque as verdades que ele arrola “são mais do que públicas”.
Estão no sítio web do Movimento que são seus parceiros e apoiadores. “Não
precisava o governo gastar dinheiro dos contribuintes com essa “investigação’”,
diz nota do Xingu Vivo. “Constrangedoras, porém, são as mentiras pelas quais o
contribuinte também paga”, agrega. O Movimento desafia a Abin a comprovar que
recebe apoio de governos.
Diversas organizações e
movimentos sociais assinaram
uma nota conjunta de repúdio à espionagem da ABIN e em solidariedade
ao Movimento Xingu Vivo.
A agência, criada em 1999
enquanto instrumento do Governo Federal, é apontada como sucessora do SNI (Serviço
Nacional de Informações, extinto em 1990), que durante a Ditadura Militar
brasileira (1964-1985) ativamente espionava organizações populares e de
trabalhadores a fim de informar ao governo ditatorial seus passos, mobilizações
e reivindicações e facilitar que fossem controlados e mesmo esmagados.
O Partido da Causa Operária,
em nota divulgada pelo
Diário Liberdade a 9 de abril, diz:
A espionagem dos movimentos
populares e sindicais não é exclusividade dos regimes militares. Em realidade,
nunca foi erradicada, já que a “transição democrática” de 1985 manteve a maior
parte dos privilégios dos militares e políticos ligados à ditadura. De uma só
vez, a serviço dos empresários e do imperialismo, o governo do PT dá espaço
para a ala direita da burguesia, que sempre esteve no comando dos órgãos de
repressão, fazer o que bem entende contra o povo trabalhador.
Em uma minúscula
nota (.pdf), a ABIN negou envolvimento com qualquer tipo de espionagem
em conjunto com o Consórcio Construtor de Belo Monte.
O blogueiro Cândido Cunha denunciou que
o próprio site da ABIN informa um
convênio, desde 2009, entre a agência e a Eletronorte, estatal que faz parte do
CCBM:
Além do trabalho voltado a
salvaguardar os conhecimentos de interesse estratégico para o Brasil, a Abin assessora
a Eletronorte na elaboração do planejamento estratégico de segurança para a
proteção de suas infraestruturas críticas – instalações, serviços e bens que,
se forem interrompidos ou destruídos, provocarão sério impacto social,
econômico e/ou político.
Estivadores
sob vigilância
Porém a ABIN não se limitou
a espionar o Movimento Xingu Vivo. Denúncias dão conta de que a agência também
tem espionado trabalhadores no porto pernambucano de Suape, na cidade do Cabo
de Santo Agostinho, próximo a Recife.
Segundo informações, a
espionagem data de março de 2013 e tem por objetivo “investigar
uma possível greve dos trabalhadores contra a Medida Provisória dos Portos, que
retiraria o poder dos governos estaduais de licitar novos terminais de carga e
reduz direitos trabalhistas”.
A Medida Provisória dos
Portos, MP 595/12,prevê,
segundo diversos movimentos sociais, a privatização dos portos brasileiros.
O blogueiro José Accioly reproduziu nota
do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) – coordenador das
investigações subordinado à Presidência da República – que repudiou as
acusações de que estaria espionando o movimento sindical de Suape. Porém
documentos sigilosos da própria ABIN, subordinada ao GSI, o desmentem.
O Ofício “Ordem de Missão
022/82105”, de 13 de março de 2013, também conhecida como Operação
“Gerenciamento de Risco”, não apenas desmente o GSI, como informa que a
espionagem se dá em todos os 15 estados litorâneos brasileiros e seus portos
com o objetivo de evitar greves e reações contrárias à Medida Provisória dos
Portos.
O professor aposentado e
engenheiro Ossami Sakamori comparou o
clima durante a Ditadura Militar e o clima hoje que vivem os opositores do
governo:
O clima que os opositores ao
regime vivia, era o mesmo clima que os opositores do poder da República vive
hoje. Não sabemos de onde virão as represálias, porque estamos sendo
monitorados, sim. Os achincalhamentos que recebemos, via rede social é a parte
visível do processo. O que temo são as ações desenvolvidos pelos órgãos
de inteligências contra os opositores do regime de hoje, pelos agentes
invisíveis aos olhos do cidadão comum.
Diversos partidos, dentre
eles o PDT, o PSB e o PSDB, informaram que
irão “convocar o ministro do Gabinete de Segurança Institucional general José
Elito Carvalho Siqueira, e o diretor-chefe da Agência Brasileira de
Inteligência (Abin), Wilson Roberto Trezza, para dar explicações na
Comissão de Trabalho da Câmara sobre a ação da Abin em monitorar e
intimidar o movimento sindical.”
Mesmo funcionários da ABIN,
representados pela Associação Nacional dos Oficiais de Inteligência (Aofi), informaram em
nota se sentir desconfortáveis com o foco definido pelo General José Elito, do
GSI, em espionar movimentos sociais. O sindicato Força Sindical emitiu
nota na qual considera inadmissível que um partido com origem nos
movimentos sindicais possa usar “órgãos da repressão” contra estes
trabalhadores.
*Publicado originamente no Global Voices