sexta-feira, 29 de março de 2013

Pará: Em despejo de sem-terras, juiz ordena invasão policial de área vizinha que acolhera parte dos acampados


Por Verena Glass* 
Uma ação frustrada de despejo de integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ordenada pelo juiz estadual Mauricio Ponte Ferreira de Souza, no município de Igarapé Açu, nordeste do Pará, acabou resultando na invasão das terras de uma agricultora vizinha e a destruição de seu galpão por policiais da tropa de choque do Estado.
Juiz determinou que polícia entrasse em lote vizinho, que é privado e não estava em disputa. Fotos: Jean Brito
A história começou com a ocupação, há cerca de 40 dias, da fazenda Dom Bosco, pertencente à família do fazendeiro Getulio de Carvalho Galvão, no referido município. Tanto a posse quanto a produtividade da fazenda são questionados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e, de acordo com a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH, que acompanha o caso) e o Ministério Publico, um processo referente à propriedade da área ainda tramita no Instituto de Terras do Pará.
Na última segunda-feira, 26, por ordem do juiz Mauricio de Souza, uma viatura da ROTAM (Rondas Ostensivas Táticas Metropolitanas), uma da COE (Comandos e Operações Especiais), outra da Perícia Criminal, uma do Corpo de Bombeiros e um ônibus com um efetivo da Polícia de Choque foram à fazenda para efetuar a retiradas das famílias de sem-terra, mas quando chegaram ao local a área já havia sido desocupada.
Policiais da Tropa de Choque invadiram e destruíram casa de moradora que acolheu famílias, segundo Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos
O representante da SDDH, Antônio Pimentel, que também estava no local para acompanhar a ação, relata: “Devido a ação de reintegração marcada para este dia, grande parte dos sem terra saíram do local na noite anterior, com medo de uma ação violenta por parte da polícia, já que a situação na área é de muita tensão e medo”. Do grupo todo, apenas 15 famílias permaneciam por perto, acampadas no lote da agricultora Maria, que, vizinha da fazenda, as tinha acolhido após o abandono, às pressas, da área ocupada.
“Quando a policia chegou lá”, conta Antonio Pimentel, “o delegado, ao ver que as famílias ja tinham saído da fazenda e estavam no lote da dona Maria, disse que faria uma vistoria na Dom Bosco mas que voltaria para destruir o novo ‘acampamento’ na área vizinha. Telefonamos então para o Comando da polícia em Belém, e quando o delegado voltou avisamos que este não permitiria a invasão das terras da agricultora. Então o delegado ligou para o juiz Mauricio, que expediu um novo mandado. Foi aí que invadiram a propriedade da dona Maria e destruíram o galpão onde ela tinha seu fogão a lenha, suas coisinhas de cozinha”.
No mandado, expedido às pressas na mesma manhã do dia 26, o juiz Mauricio autorizou o “desfazimento do acampamento dos invasores, que fica em terreno em frente à área invadida, uma vez que configura ameaça de novas invasões, devendo ser alcançada pela ordem de reintegração, para o fim de evitar que os invasores permaneçam em área contigua à área de litígio” (clique aqui para ler o documento).

Irregularidades
De acordo com os advogados da SDDH, os procedimentos jurídicos do juiz Mauricio de Souza estão marcado por irregularidades. “É um absurdo que um juiz ordene a invasão de uma propriedade privada para destruir infraestruturas na mesma, e despejar pessoas que estavam no local a convite e com permissão da proprietária, sob argumento de ‘ação preventiva’ contra possível suposta ação dos sem terra no futuro”, afirma a advogada Roberta Amanajás. O também advogado Nildon Deleon Silva completa: “Entendemos que o Juiz Mauricio é incompetente para processar e julgar a ação ou determinar qualquer liminar de desapropriação de áreas rurais, pois, por se tratar de conflito agrário, este deve ser processado e julgado na Vara Agrária de Castanhal”. A Repórter Brasil tentou contato com o juiz, que, na véspera do feriado da Semana Santa, não foi encontrado para comentar o caso.
Policiais carregavam armamento pesado durante a operação

Os procedimentos do juiz no caso também foram criticados pela promotora de justiça Eliane Moreira, que realizou uma vistoria do caso em 6 de março e solicitou, ao final do processo, a transferência do mesmo da justiça estadual para a federal (clique aqui para ler o relatório completo).  Diante do que considera graves desvio de conduta por parte do juiz, a SDDH afirma que encaminhará uma representação contra Mauricio de Souza ao Conselho Nacional de Justiça, ao Tribunal de Justiça do Estado e ao Ministério Público Agrário.

Fonte: Repórter Brasil
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