Integrantes do povo pukobjê-gavião em Governador, sua terra indígena. Foto: Gilderlan Rodrigues/Cortesia Cimi |
Fabíola Ortiz*
O choque entre madeireiros e indígenas amazônicos do Brasil que
capturaram um carregamento de madeira ilegal pode sofrer uma escalada. Os
nativos asseguram que a cabeça de um de seus líderes já tem preço.
Uma comunidade indígena brasileira decidiu fazer cumprir a lei com suas
próprias mãos, ao enfrentar madeireiros ilegais que entram em suas terras em
busca de valiosas madeiras. Uma nova modalidade de corte se concentra em terras
indígenas, ricas em espécies madeireiras e cuja população se torna alvo de
madeireiros ilegais, que apelam tanto para o suborno quanto para a ameaça.
O episódio mais recente aconteceu no final de janeiro, na terra indígena
Governador, no sudoeste do Maranhão, perto da cidade de Amarante e a 900
quilômetros da capital São Luís. Nesse lugar que marca o limite da Amazônia
oriental, nativos do povo pukobjê-gavião confiscaram quatro caminhões e um
trator com quase 20 metros cúbicos de troncos de ipê-amarelo (Tabebuia
chrysotricha) e sapucaia (árvore do gênero Lecythis).
“Cansamos de denunciar e então decidimos tomar nossas providências.
Víamos os caminhões dentro da reserva. O que aconteceria se não fizéssemos
nada?”, perguntou o cacique Evandro Gavião, da aldeia Governador, uma das seis
tribos pukobjê-gavião dessa terra indígena. O jovem líder de 24 anos conversou
por telefone com o Terramérica enquanto estava reunido com chefes de outras
aldeias para discutir um plano de monitoramento e proteção da reserva.
Segundo Gavião, a comunidade havia denunciado em 2009 o desmatamento em
suas terras, que incluam uma área de transição entre a Amazônia e o bioma
Cerrado e, por isso, são ricas em espécies como ipê-amarelo e sapucaia, aroeira
(Schinus terebinthifolius), copaíba (Copaifera sp.) e cerejeira
(gênero Amburana). “Mas as árvores estão acabando”, lamentou.
Segundo o capítulo brasileiro do Fundo Mundial para a Natureza (WWF), a
extração ilegal de madeira está intimamente ligada à construção de estradas e
aos movimentos migratórios. O acesso viário facilita o ingresso na floresta.
Entre setembro e novembro de 2012, a Interpol prendeu 200 pessoas em 12
países da América Latina, na primeira operação internacional contra o desmatamento
e o comércio ilegal de madeira. A operação aconteceu no Brasil, Bolívia, Chile,
Colômbia, Costa Rica, Equador, Guatemala, Honduras, Paraguai, Peru, República
Dominicana e Venezuela, e foram apreendidos 50 mil metros cúbicos de madeira
avaliados em US$ 8 milhões.
Na terra indígena de Governador, seus habitantes reclamam a presença da
Fundação Nacional do Índio, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e
da Polícia Federal para garantir a segurança de mil pessoas distribuídas em
seis aldeias.
“O que fizemos foi perigoso, mas foi a única forma de chamar a atenção
dos órgãos responsáveis”, explicou Gavião. Desde o confisco dos caminhões, a
retirada ilegal de madeira não parou, mas mudou de rota. “A sensação é que pode
piorar e que as ameaças que sofremos continuarão. Sabemos que já estão
negociando a cabeça do cacique da aldeia Nova em R$ 30 mil para matá-lo. Mas o
povo gavião não vai parar”, afirmou o cacique.
Os indígenas atribuem o aumento de ameaças e pressões à redefinição dos
limites da reserva. A terra indígena Governador está em processo de uma nova
demarcação desde 1999, após ser homologada em 1980. Os limites de usufruto
tradicional dos indígenas não foram respeitados, e estes precisam sair de seu
território para ter acesso a recursos naturais para sua alimentação e seus
rituais, explicou ao Terramérica Rosimeire Diniz, do Conselho Indigenista
Missionário (Cimi), da Igreja Católica, do Maranhão.
Partes do território antes usado pelos pukobjê-gavião ficaram fora da
demarcação e foram ocupadas por fazendeiros. Durante anos indígenas tiveram
“uma relação mais ou menos amistosa” com esses pecuaristas, mas quando pediram
uma revisão dos limites os conflitos e a violência se exacerbaram, pontuou
Diniz. A terra indígena Governador tem 42 mil hectares e a nova demarcação pode
ampliá-la até 80 mil. Segundo Evandro Gavião, a área atual não é “suficiente”,
pois foi determinada pelo regime militar da época “às pressas".
“Os lugares onde nossos antepassados pescavam e caçavam estão fora da
terra indígena. Não consultaram os indígenas para saber onde pescavam onde
caçavam, onde colhiam. Por isso pedimos a revisão. Sabemos que pode demorar
muito tempo, mas temos uma responsabilidade com nosso povo. Por isso estamos
lutando”, destacou Gavião.
Pelo menos desde a década de 1980, acontece o desmatamento ilegal em
terras originárias, mas antes ocorria sem conhecimento de seus habitantes.
“Agora é muito mais visível. Por meio do suborno, os madeireiros transferem a
autoria do crime ambiental aos indígenas. A situação era insustentável, os
nativos decidiram realizar uma ação para se proteger. O corte de árvores era
tão visível que os caminhões passavam por dentro das aldeias”, afirmou Diniz.
Fábio Teixeira, delegado da Polícia Federal da cidade de Imperatriz, a
segunda maior do Maranhão, a cem quilômetros de Governador, disse ao
Terramérica que ao longo dos anos só madeireiros migraram para essa parte da
reserva e atualmente existem ali pelo menos sete grandes serrarias.
“Desmatamento sempre houve, mas era pontual. Depois de uma grande operação de
combate em outras localidades, muitos madeireiros se mudaram para Governador”,
detalhou.
Teixeira também admitiu que a situação é “muito conflitante” entre
indígenas e fazendeiros e madeireiros que estão se unindo contra eles. O
delegado contou que, no incidente dos caminhões, a própria população do pequeno
município de Amarante, a apenas 20 minutos de automóvel de Governador, fez uma
barricada com fogo e pedras na estrada para bloquear o acesso dos indígenas à
cidade, e a segurança foi reforçada com 20 agentes federais e 30 policiais
militares.
“Não sabia que a cidade estava tão comprometida com a exploração
ilegal”, reconheceu Teixeira. “Sua economia se sustenta na madeira e na
atividade pecuária. O próprio poder municipal está implicado. Não posso dar
detalhes de nossas operações, mas a fiscalização será intensificada”,
assegurou.
Para Teixeira, a ação dos indígenas foi “um ato de desespero” que pode
terminar em “um banho de sangue”. A partir de então, “os orientamos a registrar
com fotos o que considerarem ações ilegais dentro da reserva, pois servirão
como material de investigação”, enfatizou.
* Fonte: Envolverde/Terramérica. A autora é correspondente da IPS - Artigo
produzido para o Terramérica, projeto de comunicação apoiado pelo Banco Mundial
Latin America and Caribbean, realizado pela Inter Press Service (IPS) e
distribuído pela Agência Envolverde.