sexta-feira, 8 de março de 2013

“Reforma Agrária de qualidade”: Irmã de extrativista assassinada é ameaçada enquanto Incra assenta acusado do assassinato

Entre as poucas famílias assentadas pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) no ano de 2012, José Rodrigues Moreira e Antônia Nery de Souza teriam sido contemplados com um lote no Projeto de Assentamento Agroextrativista Praia Alta-Pirambeira, em Nova Ipixuna, Sudeste do Pará. 

O discurso governamental de que a considerável queda no número de famílias beneficiadas pelo Programa Nacional de Reforma Agrária se deve a uma maior ênfase na qualificação dos assentamentos se desfez mais uma vez no ar com este ilustrativo exemplo.

Antônio Rodrigues Moreira, preso, é acusado de ser o suposto mandante do assassinato do casal de extrativistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo Silva , em maio de 2011. Ele e sua cônjuge teriam sido homologados como assentados pelo Incra em 14 de dezembro de 2012, no mesmo assentamento onde o casal foi assassinado, exatamente por denunciar a compra e venda de terras dentro do projeto, inclusive a terra do lote onde os “novos assentados agroextrativistas da reforma agrária de qualidade do governo federal” foram homologados.  A compra e venda de lotes por si só já seria um impedimento ao casal de acessar o programa de reforma agrária

O inquérito aponta que Moreira queria ocupar uma área comprada ilegalmente por 100 mil reais, em 2010. O fazendeiro pretendia criar gado no local, mas não conseguiu expulsar três famílias que viviam no lote sob a proteção de José Cláudio e Maria. Por isso, teria ordenado a morte do casal. Depois, teria deslocado parentes para ocupar os lotes e registrá-los no Incra. Um movimento que foi denunciado pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura, pela Comissão Pastoral da Terra e pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Nova Ipixuna, em carta de 21 de maio de 2012. As entidades ainda alertaram que pessoas ligadas ao acusado mantinham ameaças a quem tentasse retomar no assentamento o trabalho de José Cláudio e Maria.

“Nós protocolamos um documento no Incra em maio de 2012, porque tivemos notícias que Incra estava tentando assentar ele em outro lote. Assentar seria premiar o mandante após ele executar figuras importantes na região”, afirma o advogado da CPT em Marabá, Jose Batista Afonso, que é assistente de acusação no processo que apura a morte do casal.

Apesar de Relação de Beneficiários homologada pelo próprio órgão fundiário apontar que o casal foi assentado, o Incra disse que o processo administrativo  de assentamento não está concluído e por isso o casal não poderia ser reconhecido oficialmente como beneficiário do Programa de Reforma Agrária. “Um dos critérios para a concessão do título de reforma agrária é análise dos documentos do casal, sendo que o fato de um dos dois seja a (o) titular ou o (a) cônjuge ter algum impedimento legal, o benefício não é concedido”, afirma a nota emitida pelo Incra.

Em outras palavras, o Incra afirma que homologou o casal como assentado, para depois, quem sabe um dia, verificar se um deles (ou os dois) possuíam algum impedimento legal para tal. Curiosamente, o órgão fundiário se limita a afirmar que apenas a mulher do acusado é “requerente” do assentamento, esquecendo-se que seu marido preso também foi homologado, conforme documento abaixo:



“Embora a Sra. Antonia Nery, na condição de titular requerente da regularização, não esteja arrolada no processo criminal citado na matéria, a Superintendência Regional do Incra de Marabá identificou a situação de impedimento do cônjuge, Sr. José Rodrigues Moreira. A partir dessa identificação, no dia 20 de fevereiro de 2013 encaminhou o processo administrativo à Procuradoria Federal Especializada para ajuizamento de ação judicial visando a retomada do imóvel ocupado pela Sra. Antonia Nery”, afirma o Incra em outro trecho da nota enviada a imprensa.  Ou seja, apesar de afirmar que a “requerente” não está assentada, o Incra precisará entrar com uma ação judicial para retirá-la do lote que ocupa e onde foi assentada.

Enquanto isso, irmã de liderança assassinada vive sob ameaça
Há quase dois anos, Laisa dos Santos Sampaio convive com a tensão criada pelas sucessivas ameaças de morte. Laisa é irmã de Maria do Espírito Santo e cunhada de José Cláudio. Ela não esconde a tristeza com a decisão do Incra em conceder à esposa de José Rodrigues Moreira, acusado de ser o mandante do assassinato do casal, a posse do lote no assentamento que levou ao conflito e à morte dos ambientalistas.

Entre eles, Laisa e sua família. “O que mais dói é saber que essas pessoas foram protegidas pelo órgão competente pela lei. É muito triste perceber a conivência com o mal”, lamenta.

Conforme o julgamento, marcado para 3 de abril, se aproxima, o clima fica mais tenso. As pessoas, diz Laisa, a avisam dos riscos que corre. Com medo, evita comentar o caso para não sofrer retaliações. “Corro o risco de perder meu trabalho.”

*Com algumas informações do G1 e Carta Capital

Observação: Esta foi a 6.000° postagem deste blog.
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