André Borges*
Kayapós acusam Eletrobras de não respeitar acordos
A tensão entre os milhares de trabalhadores de Belo Monte e o
consórcio responsável pela construção da hidrelétrica chegou a um nível
crítico. O novo ponto de conflito entre os 18 mil funcionários que trabalham
atualmente nas margens do rio Xingu, no Pará, e o Consórcio Construtor de Belo
Monte (CCBM), liderado pela empreiteira Andrade Gutierrez, tem origem nas horas
extras que são pagas atualmente aos funcionários, por conta do tempo que eles
gastam no deslocamento entre suas casas, em Altamira (PA), até os canteiros de
obra da usina. Cada trabalhador gasta entre duas e três horas, diariamente,
nesse trajeto. O CCBM paga por esse tempo em trânsito, uma conta chamada de
“hora itinerário”. Ocorre que, com a conclusão próxima de milhares de
alojamentos dentro dos canteiros da usina, essa hora extra deixa de existir.
O impacto no bolso é significativo. Com a hora itinerário, cada
trabalhador consegue engordar seu salário mensal em cerca de 20%. Além disso,
pode permanecer em companhia de sua família, em Altamira, maior município da
região e o mais afetado pela hidrelétrica. Ao migrar para o alojamento, esse
trabalhador perde seu extra de 20% no salário e, ainda, o contato diário com
familiares. A polêmica está instalada.
Os trabalhadores, conforme apurou o Valor, decidiram exigir uma
compensação. Eles cobram do CCBM o que tem sido informalmente chamado de “hora
confinamento”. O pleito foi confirmado por Roginel Gobbo, vice-presidente do
Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada (Sintrapav),
que representa os funcionários de Belo Monte. “Queremos sim, uma proposta de
compensação. Existe perda pesada de valor para o trabalhador e isso não foi
estabelecido antes”, disse. “Nós já pedimos a suspensão imediata da mudança dos
trabalhadores para os alojamentos, até que essa questão esteja totalmente
definida. Há um clima de insatisfação muito grande por conta disso. Temos que
negociar”, comentou o vice-presidente do Sintrapav.
Se o fim da hora extra mexe com o bolso dos funcionários, seu
pagamento também pesa na conta do CCBM. O consórcio não comenta o assunto, mas
estimativas apontam que, em média, o custo mensal da “hora itinerário” tem sido
de aproximadamente R$ 3,5 milhões para o consórcio. Essa fatura pode ficar
ainda mais salgada, se for levado em conta que as obras da usina deverão
reunir, até meados de agosto, aproximadamente 28 mil trabalhadores, conforme
planos do consórcio Norte Energia, que é o dono do empreendimento e que
contratou o CCBM para executar o empreendimento.
Sindicalistas e empresas já discutiram o assunto na semana
passada. As negociações prometem ser duras. O consórcio construtor não
reconhece o compromisso de ter que pagar extra por “hora confinamento” e
sustenta que a mudança dos trabalhadores para os canteiros de obra estava
prevista desde o início de seus contratos.
Atualmente, cerca de metade dos 18 mil funcionários do CCBM já
estão alocados em alojamentos da hidrelétrica. A outra metade está concentrada,
basicamente, em Altamira, em casas próprias ou alugadas temporariamente pelo
consórcio.
No fim do ano passado, o CCBM fechou um acordo com o Sintrapav.
O período de “baixada” do trabalhador – prazo de aproximadamente uma semana que
é dado para que o funcionário possa visitar sua família – foi reduzido de seis
para três meses. O vale-alimentação aumentou de R$ 110 para R$ 200 e os
salários foram reajustados entre 7% e 11%, dependendo da função.
Na semana passada, a diretoria de relações institucionais da
Norte Energia passou por mudanças. O posto foi assumido pela ex-presidente de
tecnologia da Caixa Econômica Federal, Clarice Copetti, que entrou no lugar de
João Pimentel, que passou a responder pela área de licenciamento socioambiental
da usina. Ligada ao PT, Clarice é esposa do secretário-executivo do Ministério
das Comunicações, Cezar Alvarez.
Kayapós acusam Eletrobras de não respeitar acordos
Se os trabalhadores de Belo Monte estão dispostos a negociar, o
mesmo não se pode dizer dos índios que são, de alguma forma, afetados pela
construção da usina. Na semana passada, um grupo da etnia kayapó rompeu os
compromissos firmados com a estatal Eletrobras, principal acionista da Norte
Energia, dona da hidrelétrica. Numa declaração curta, direcionada aos “senhores
da Eletrobrás”, os índios disseram que não querem “nem mais um Real do dinheiro
sujo” oferecido pela empresa e que não aceitam a barragem no Xingu. “Nosso rio
não tem preço, os peixes que comemos não têm preço. A alegria dos nossos netos
não tem preço. Não vamos parar de lutar em Altamira, em Brasília, no Supremo
Tribunal Federal. O Xingu é nossa casa e vocês não são bem-vindos”, declararam
os índios, conforme informado pelo Instituto Socioambiental (ISA).
Segundo os índios, em 2010 a Eletrobras se comprometeu a
repassar às aldeias kayapó da margem Oeste e Leste do Xingu, respectivamente,
R$ 3 milhões por ano, por três anos. Os recursos seriam igualmente divididos
entre as aldeias kayapó de ambas as margens do Xingu. “Mais uma vez,
condicionantes definidas não cumpridas”, alegam.
As queixas não se restringem às empresas que controlam Belo
Monte. Na semana passada, o Ministério Público Federal (MPF) no Pará enviou um
alerta à Fundação Nacional do Índio (Funai) sobre a situação caótica que a
instituição enfrenta em Altamira (PA). Segundo o MPF, em vistoria feita no
prédio da Funai, um perito constatou “um ambiente caótico, sujo, sem condições
dignas para os servidores e para os indígenas”.
Os procuradores afirmam que a Norte Energia assinou um termo de
compromisso com a Funai em que estava prevista a construção de uma nova sede
para a fundação em Altamira, contratação de equipe técnica, doação de
equipamentos, material de consumo e prestação de serviços de manutenção. O
compromisso, considerado pelo MPF como insuficiente mesmo se fosse cumprido,
expirou no ano passado, com execução apenas parcial. “A nova sede nunca ficou
pronta”, informa o MPF.
A Funai foi procurada pelo Valor para se posicionar sobre o
assunto. A postura da fundação, vinculada ao Ministério da Justiça, foi a mesma
adotada em outros momentos: não fazer qualquer comentário sobre as acusações.
No Congresso, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do
Tráfico de Pessoas deve ouvir representantes de empresas ligadas a Belo Monte
sobre a ocorrência de casos de prostituição infantil no entorno da usina. A
Norte Energia e o CCBM negam que a casa de prostituição estivesse em área de
suas responsabilidades.
*Fonte: Valor
Econômico