sexta-feira, 29 de março de 2013

“Ceciliolândia”: Grileiro perde prazo e terra volta ao Pará

Por Lúcio Flávio Pinto*

A pá de cal na maior grilagem de terras do mundo foi dada pelo próprio grileiro – ou melhor, pelos seus sucessores. Os herdeiros de Cecílio do Rego Almeida perderam o prazo para apelar da decisão do juiz Arthur Pinheiro Chaves, da 9ª vara da justiça federal em Belém.
O juiz mandara cancelar o registro imobiliário da Fazenda Curuá. A matrícula foi feita no cartório de Altamira, em nome da Incenxil, empresa nativa da região, que passou ao controle do dono da Construtora C. R. Almeida, do Paraná, em 1995.
No dia 4 de janeiro, o juiz deixou de receber a apelação, “vez que manifestamente intempestiva”. Anteriormente ele também não tomara conhecimento dos embargos opostos contra a sentença. Ela determinou a anulação e o cancelamento da matrícula, transações e averbações no registro de imóveis de Altamira, a pedido do Ministério Público Federal. O MPF tomou como base para sua ação um pedido inicial feito pelo Iterpa (Instituto de Terras do Pará). Assim, a sentença transitou em julgado.
Ainda há um recurso disponível aos familiares do grileiro. É a ação rescisória. Ela pode ser proposta no prazo de dois anos a partir do trânsito em julgado da sentença, que ocorreu em janeiro deste ano. O prazo ainda pode ser dilatado porque os autos estão com o MPF para manifestação. Seria mais fácil, porém, se eles tivessem apelado, através de um recurso ordinário, no prazo legal. Por que não o fizeram?
É pouco provável que tenha sido por desatenção ou esquecimento, embora esta hipótese sempre esteja presente, mesmo quando atua na causa um poderoso escritório de advocacia. Se agiram dessa forma de caso pensado, qual a razão dessa estratégia?
Presume-se que a morte de Cecílio Almeida, em março de 2008, aos 78 anos de idade, tenha posto fim ao componente de impetuosidade e selvageria que ele impôs à condução dos seus negócios, que centralizou com mão de ferro.
A empresa, que é uma das maiores empreiteiras do país e diversificou suas atividades, passando também a gerenciar rodovias públicas, beneficiando-se do processo de privatização, deve ter-se profissionalizado. Pode também ter se livrado do passionalismo, a marca do seu fundador, ao passar para o domínio da sua família e seus representantes executivos.
Mergulhando nas sutilezas da manobra feita por Cecílio para se apossar da mais valiosa gleba de terras ainda não ocupada no Pará, podem-se encontrar as motivações para o procedimento insólito. Talvez seja a maneira de perder a joia da coroa para manter a pretensão sobre a coroa de ouro.
A Fazenda Curuá, envolvida na ação, é a maior das áreas do conjunto de imóveis sobre os quais Cecílio Almeida se lançou com voracidade, quase duas décadas atrás. Mas não é a única. Há mais cinco glebas compreendidas na tentativa de apropriação ilícita. São os seringais: Belo Horizonte,  Humaitá, Caxinguba, Mossoró e Forte Veneza. Seus pretensos domínios se superpunham à Estação Ecológica da Terra do Meio e às terras indígenas Ipixuna e Apyterewa. 
Daí a vasta imprecisão sobre a extensão desse território pretendido variar entre o mínimo calculado, de 4,7 milhões de hectares, e o máximo referido, com ênfase decrescente, também com propósitos táticos, de 7 milhões de hectares. Entre as duas grandezas, 2,7 milhões de hectares já seriam suficientes para lhe manter o título de a maior grilagem mundial de terras ainda em curso.
O golpe maior foi evitado, mas outros atos de pirataria fundiária ainda podem ser praticados. Para que a ameaça seja erradicada de vez do horizonte das possibilidades legais, o Ministério Público Federal, que obteve o cancelamento do registro imobiliário da Fazenda Curuá, terá que dirigir seu alvo para as demais glebas, incluídas no acervo patrimonial da Incenxil. Já há ações em curso referentes a essas terras.
Só quando não houver mais remanescente algum da pretensão inicial de Cecílio do Rego Almeida é que o povo paraense poderá ter certeza de que um dos seus patrimônios mais valiosos estará restituído de vez ao seu legítimo dono, ainda que atingido pelos prejuízos que os pretensos proprietários lhe causaram nesse período de usurpação.
Outra interpretação para a perda de prazo do recurso poderia ser feita a partir de uma ameaça que o próprio Cecílio fez. Ele disse, reiteradas vezes, que se “suas” terras lhe fossem retiradas, ele ingressaria na justiça com uma ação regressiva contra o Estado do Pará. Cobraria todos os seus prejuízos e os lucros cessantes. Seria questão para chegar aos bilhões de reais. Uma causa muito maior do que o da Fazenda Paraporã, que cobra indenização do governo desde os anos 1970 por uma desapropriação mal feita.
É triste – mas ilustrativo – constatar que a preservação desse bem foi obra de um agente público federal e não dos entes estaduais que participaram do rumoroso capítulo da história da subtração de terras do patrimônio público do Pará. No que dependeu dos poderes executivo, legislativo e judiciário do Estado, o interesse público diretamente envolvido na questão saiu gravemente prejudicado.
Se dependesse de atos das autoridades públicas paraenses, as ricas terras do vale do Xingu, laçadas pelo interesse especulativo do empresário, teriam mudado ilicitamente de dono. Os poderes públicos estaduais cometeram, nesse episódio, um de seus atos mais clamorosos e lesivos. Por isso a história não deve ser esquecida, com todos os seus personagens nefastos. É a história que continuo a contar, com novos detalhes e maior profundidade. Na esperança de assim inibir os malfeitores e prevenir os malfeitos, dos quais a história omissiva do Pará contemporâneo tem sido pródiga.

Fonte: Yahoo – Cartas da Amazônia 

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