quarta-feira, 27 de março de 2013

Guerrilha do Araguaia : O mistério do carro enterrado


Por Merces Castro*

Em julho de 2010, o GTT (grupo governamental criado para cumprir a sentença da 1ª. Vara Federal, ou seja, localizar, recolher e entregar os restos mortais dos “desaparecidos” na guerrilha do Araguaia) foi fazer uma escavação na antiga base militar da Bacaba, na Transamazônica, onde uma pessoa, que havia ali trabalhado, me apontara dois lugares onde possivelmente tinha corpos enterrados. 

No primeiro local foram encontrados grandes blocos de concreto que formavam uma imensa caixa e onde no passado era depositado lixo hospitalar. Ali nada foi encontrado. No segundo ponto, o detector indicou a presença de grande quantidade de metal. A exploração mostrou que era um carro enterrado décadas antes.

Pedi para tirarem o carro inteiro, mas por questões que desconheço fizeram o trabalho como visto no vídeo. Junto aos destroços do carro encontrou-se o pé de uma sandália infantil, o que me levou a questionar: O que realmente havia por trás daquele carro? Porquê estava tão bem escondido?

Em novembro passado fui contatada por um pastor de uma igreja protestante de uma denominação qualquer situada em Belém. Alegando arrependimento, disse que soubera que o carro da Bacaba fora encontrado e por isso faria contato com uma pessoa que poderia me falar mais sobre o episódio.

O encontro com essa pessoa ocorreu semana passada em Santarém. Antonio, o nome dele, era o dono do carro. Tem marcas de tiros no rosto, no abdome e nas pernas, tantos que destruíram partes de seus pés. Lembrou-me o Quasímodo. Sabe apenas que é de São José de Ribamar, cidade vizinha a São Luís/MA e na adolescência foi para Osasco onde fez família e progrediu.

Certo dia, no final de 1973, colocou no carro a sogra, a esposa e a filha de dois anos e meio, ambas Maria Helena, das quais não lembra as suas fisionomias e seguiram para o norte conhecer o eldorado.

Antonio nada sabia de guerrilha, por isso saiu da Belém-Brasília e entrou na Transamazônica ao entardecer. Pretendia dormir em Marabá. A estrada de piçarra estava boa e seu carro desenvolvia certa velocidade.

Absorto em seus pensamentos, apenas ele estava acordado. Mas ainda não eram oito da noite. Um barulho intenso de lata sendo rasgada e vidros estilhaçados indo de encontro ao seu rosto o fizeram perder o controle do veículo. O carro fora metralhado.

Antonio lembra que acordou num leito de hospital totalmente desmemoriado. Não lembrava nem do próprio nome. Enquanto se recuperava era submetido a constante interrogatório disfarçado de ajuda social e foi “visitado” pelo piloto de helicóptero que o socorrera.

Ao recuperar-se fisicamente, Antonio foi submetido a uma “lavagem cerebral”. Entregaram-lhe documentos com os quais se identifica até hoje, disseram-lhe que era originário de Santarém e funcionário do serviço público federal, pelo qual está aposentado. Em Santarém foi levado para “sua” casa onde ainda mora.

Lembro a todos que a cerca de dois meses liguei para um dos coordenadores do GTA pedindo que alguém fosse mandado a Santarém. Sugeri até o nome de uma das historiadoras contratadas, mas foram palavras ao vento. A moça estaria ocupada e ficou por isso mesmo.

Por ter conversado com Antonio por telefone, antes de ir a Santarém, peticionei à 1ª. Vara Federal e OEA pedindo urgentes e definitivas informações acerca de eventuais perícias efetuadas nos restos do carro encontrado na Bacaba.

E o pastor? O piloto de helicóptero que levara Antonio a Belém, foi para a reserva como Tenente-Coronel e converteu-se ao protestantismo. Ia com frequência a Santarém e numa dessas idas encontraram-se. Os contatos frequentes trouxeram parte da memória de Antonio de volta.

Apesar de ainda não lembrar o nome da família, tem sonhado com a filha que lhe trás a mensagem de que logo, logo, estarão juntos. Imagina que sua vida está no fim e por isso prefere não buscar a verdade total sobre sua vida. Talvez essa busca não valha a pena. 
Voltei dilacerada e me perguntando se esse poço tem fundo.

*Merces Castro é advogada, militante e irmã do desaparecido Antônio Teodoro de Castro.
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