Lunaé
Parracho*
Uma foto é a prova cabal
de que o jornalista Ruy Sposati "liderou a invasão aos ônibus e bloqueios
da BR-230" (Rodovia Transamazônica). Pelo menos para os advogados de Belo
Monte e para o juiz da comarca de Altamira (PA), Wander Luís Bernardo, que
concedeu liminar em favor do Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM), contra o
repórter e outros três integrantes do Movimento Xingu Vivo Para Sempre (MXVPS).]
No mandato proibitório
emitido pelo juiz, uma multa de 100 mil reais é imposta aos réus caso cometam
"qualquer moléstia à posse" do consórcio ou ameacem o "exercício
de seus poderes", ou ainda "impeçam o acesso de seus funcionários ao
canteiro de obras". Os advogados exigem também que Força Nacional de
Segurança e a Polícia Militar garantam a segurança das obras e dos
funcionários.
Dos quatro citados como
réus, apenas Ruy Sposati, jornalista do movimento, se encontrava no local,
cobrindo a greve dos trabalhadores nos dias 29, 30 e 31 de março. Segundo os
advogados do consórcio, "em flagrante ofensa ao direito de propriedade e
ao princípio do livre exercício da atividade econômica", Sposati teria
iniciado "a prática de diversos atos ilícitos", lesivos não só ao
Consórcio, "como também à segurança dos colaboradores e terceirizados"
e dos "moradores da região de Altamira". Além disso, o jornalista
teria também invadido "os ônibus que transportam os trabalhadores" e
"as vias da BR-230 para impedir a sua circulação".
"Não satisfeito, os
réus, afrontando todos os preceitos legais que disciplinam as relações
inerentes ao direito coletivo e o direito fundamental de propriedade, invadiram
[lembrando que dos réus citados apenas o jornalista se encontrava no local] os
ônibus, empresa e as vias da BR-230 e começaram a provocar diversos distúrbios,
tais como: bater nos vidros e latarias dos ônibus, obrigar que os motoristas
abandonassem os veículos nas faixas de rolamento, além de gritar palavras
intimidatórias, desrespeitando os funcionários que não aderiram a essa
desordem".
No tópico da petição
inicial em que descrevem o jornalista, os advogados do megaempreendimento
afirmam: "Ruy Marques Sposati é assessor de comunicação do MXVPS, conforme
se depreende do site do movimento na internet e sua página no Twitter. Ele é o
responsável por documentar os protestos organizados pelo movimento. Foi ele
quem liderou a invasão aos ônibus e bloqueios da BR-230, conforme demonstrado
nas fotos anexas". Como prova, do "ambiente criado pelos
representantes do réu, pessoas que não possuem equilíbrio para exercer as
atividades dentro dos limites da razoabilidade e de um verdadeiro estado de
direito", foram anexadas fotografias ao processo, às quais, para os
advogados, "revelam de forma inequívoca as agressões cometidas".
No total, 22 fotos foram
anexadas ao processo. Em nove delas, o jornalista sequer aparece. Nas outras, é
retratado fotografando; conversando ou entrevistando pessoas; parado; e sendo
abordado por policiais militares e um homem não identificado. "Neste momento
fui acusado de não ser jornalista [pelo homem não identificado]. Perguntei se
queriam ver meu registro profissional", relata Sposati, que foi
"convidado" a se retirar do local pela polícia.
"Me pergunto como
alguém poderia acreditar que um jornalista é líder de uma greve de sete mil
operários - e de uma empresa onde ele não trabalha", questiona. Para ele,
isso é parte de uma tentativa de censurar seu trabalho, escrevendo reportagens
sobre os desdobramentos da construção da Usina Hidrelétrica Belo Monte.
"Há tempos venho sendo perseguido, intimidado, expulso (por policiais,
bate-paus, gente com e sem crachá, seguranças particulares, chefes troncudos)
filmado. Durante os dias dessa greve, uma picape me seguia e filmava o tempo todo.
Na última leva de demissões que cobri, em dezembro passado, fui ameaçado de
morte por dois homens dentro de uma 4x4 cuja placa eu consegui fotografar e,
posteriormente, descobri pertencer à Polícia Militar do Pará. Denunciei estes
acontecimentos, mas nunca tive respostas", relata o repórter.
"Agora, me parece
bastante claro que, não podendo pedir à Justiça que censurassem minha liberdade
de cobertura jornalística, eles simplesmente plantaram este interdito para me
criminalizar pela via política - e de maneira completamente fantasiosa e
inventada", conclui.
A Sociedade Paraense de
Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) e a Justiça Global protocolaram na segunda,
9, a contestação judicial da ação de interdito proibitório, pedindo a
condenação da empresa por litigância de má-fé. Para o advogado Sérgio Martins,
da SDDH, “a ação é descabida e mentirosa. As fotos não provam as
acusações". Martins diz que "há inclusive a possibilidade de
reparação por danos morais e um processo criminal para apurar uma eventual ação
criminosa da empresa por tergiversar a verdade dos fatos. As provas mostram
apenas o jornalista Ruy Sposati, um dos acusados, trabalhando como qualquer
outro jornalista na cobertura dos eventos relacionados à greve dos operários de
Belo Monte”. O advogado acrescenta que a ação do CCBM se configura como
perseguição a um jornalista no exercício de suas profissão.
Em nota, o Movimento Xingu
Vivo contestou a decisão judicial, esclarecendo que "nos citados dias 29,
30 e 31 de março, estourou em Belo Monte uma greve geral em função de
graves moléstias cometidas pelo CCBM contra seus trabalhadores. Como de praxe e
exigido pela sua função de jornalista, Ruy Sposati cobriu o fato, como único
profissional a produzir informações para o site do Xingu Vivo, a imprensa
nacional e internacional, e a quem interessasse, sobre os acontecimentos. Neste
mesmo período, Antonia Melo estava em atividades com emissários de uma
organização estrangeira, um dos citados encontrava-se em Belém, e o outro em
momento algum compareceu às atividades dos trabalhadores em greve, ocorridas no
perímetro e na cidade de Altamira (muito distante, portanto, dos canteiros de
obras). Dito isto, não pretendemos nos estender sobre quão ridícula é a
presunção de que quatro pessoas tenham fechado a Transamazônica “numa espécie
de parede humana”, invadido ônibus, molestado motoristas e ameaçado a
segurança dos moradores de Altamira" e denunciando "como de extrema
gravidade a mentira intencional ao judiciário por parte do CCBM, para
tentar cercear o direito constitucional dos citados de ir e vir, de estar em
vias públicas, e de se manifestar livremente", "a exigência do CCBM
de que aJ ustiça lhe conceda o direito de usar forças de segurança públicas
como milícia privada", além da "tentativa do CCBM de criminalizar
lideranças sociais, e, em especial, o jornalista do Xingu Vivo, no
intuito de cercear a liberdade de expressão e de encobrir as moléstias do
Consórcio contra seus operários" e "da emissão, por parte da Justiça,
de uma liminar sem fundamentos comprovados, e, mais grave, diante da
estapafúrdia dos argumentos apresentados".
Procurada pelo repórter,
até o momento o Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM) não se pronunciou sobre
o processo.