Uma
liderança grevista foi demitida e agredida por um segurança privado do
consórcio. Outro, que aparecera em vídeo participando da greve em gravações
internas feitas pela empresa, foi demitido e posteriormente preso sem
explicação pela Polícia Militar
Por Ruy
Sposati*
O
Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM), responsável pelas obras da terceira
maior usina hidrelétrica do planeta, na região de Altamira (PA), demitiu ao
menos 60 operários que participaram da última greve que paralisou a obra por
sete dias, entre os dias 5 e 12 de abril.
Uma
liderança grevista foi demitida e agredida por um segurança privado do
consórcio. Outro, que aparecera em vídeo participando da greve em gravações
internas feitas pela empresa, foi demitido e posteriormente preso sem
explicação pela Polícia Militar – segundo os trabalhadores, chamada pelo
consórcio, enquanto dormia em um dos alojamentos do CCBM.
Segundo
depoimento de trabalhadores, cinco teriam sido demitidos porque assinaram ata
de fundação de uma Associação de Operários, conforme diz um documento que teria
sido entregue ao sindicato e à direção do consórcio. Seis trabalhadores teriam
sido desligados por participarem da comissão da greve. O restante teria saído
por ter aparecido em filmagens realizadas por encarregados da firma.
Francenildo
Teixeira Farias, carpinteiro e membro da comissão da greve, conta que foi pedir
explicações no escritório do RH da empresa, e lá foi agredido. Ele teria sido
demitido por ser grevista, por ter participado da fundação da nova associação e
também por participar da comissão.
- Um
segurança tentou tirar meu crachá de todo jeito, querendo me obrigar a assinar
a quita [demissão]. Eu disse que não, que não aceitava porque não era uma
demissão justa. Aí ele veio pra cima e me deu um soco na nuca – relata Francenildo,
que registrou boletim de ocorrência na delegacia da Polícia Civil de Altamira.
Segundo
membros da comissão, outros nomes com demissão confirmada seriam o do pedreiro
Wanderson Correa, dos apontadores Fábio de Souza, Moisés Ferreira Silva,
Claudevan da Silva Santos e Diego Dias Louredo. Também foram demitidos Fábio
Karan e Raimundo Nonato Diniz, que não é da comissão.
Em
documento assinado por trabalhadores e um de seus dirigentes, o Sindicato da
Construção Pesada do Pará (Sintrapav) comprometeu-se a “assumir a
responsabilidade pela comissão caso haja algum tipo de retaliação, perseguição,
ou algum tipo de perca (sic) financeira”.
Pauta
O Consórcio Construtor Belo Monte nega que as demissões tenham relação com manifestações. Em nota à imprensa, divulgada na sexta-feira (13), a empresa noticiou que “diferentes pontos foram avaliados e acordados entre as partes”.
O Consórcio Construtor Belo Monte nega que as demissões tenham relação com manifestações. Em nota à imprensa, divulgada na sexta-feira (13), a empresa noticiou que “diferentes pontos foram avaliados e acordados entre as partes”.
Os pontos
indicados são a “instalação do Sintrapav nos canteiros”; “melhorias nas
condições de transporte; melhorias no sistema de pagamento de salários – que no
início do mês levou à uso de violência e a prisão de um trabalhador; e
disponibilidade de sinal de celular a partir de maio.
Duas das
principais pautas – o aumento da cesta-básica (que hoje é de R$ 95) e a redução
dos intervalos de baixada (visita do trabalhador à sua cidade de origem)
ficarão para a próxima rodada. As outras não foram citadas.
A
negociação, prevista para iniciar no dia 10, foi adiada cinco vezes. O CCBM, em
conjunto com o sindicato, restabeleceu uma comissão de trabalhadores para abrir
a rodada de negociações.
- Isso é
fachada porque 80% da pauta não foi sequer falada. A gente não aprovou nada, só
ouvimos. O sindicato não voltou pra base com a gente pra apresentar e votar que
a empresa propôs. Isso era o certo. Agora, eles falaram na imprensa, soltaram
um panfleto nos sítios dizendo que tá tudo certo – acusa um trabalhador que
permaneceu na comissão, mas prefere não se identificar.
Três dias
na vida de Marabazinho
Sexta-feira,
13.
Raimundo Nonato Diniz, 29 anos, soldador, é um dos 60 demitidos pelo CCBM.
Trabalhava no sítio Belo Monte, maior canteiro da obra. Foi apelidado de
Marabazinho – diminutivo para Marabá, onde deixou a mulher e filhos, embora
tenha nascido no Maranhão. Esperou 25 dias por uma vaga. Trabalhou 18. Demitido
sem justa causa.
- O
encarregado mandou eu ir pro escritório, disse que ia me dar as contas porque
tinha me visto numa gravação feita durante a última greve. Quem tava na
filmagem nos dias da paralisação foi mandado embora. Havia muita perseguição
com os funcionários que foram vistos nas filmagens. Eles fizeram questão de
filmar cada um que tava na greve, pra poder mandar embora. Junto comigo, saíram
umas 60 pessoas que estavam reivindicando direito, transporte, baixada – relata
Marabazinho.
“Sequestro”
Domingo, 15. Às 22h, Marabazinho dormia no quarto. Chega a Polícia Militar e a tropa de choque no alojamento conhecido como “Bacana”, no início da estrada estadual que vai de Altamira ao perímetro urbano de Vitória do Xingu.
Domingo, 15. Às 22h, Marabazinho dormia no quarto. Chega a Polícia Militar e a tropa de choque no alojamento conhecido como “Bacana”, no início da estrada estadual que vai de Altamira ao perímetro urbano de Vitória do Xingu.
Seguranças privados do alojamento conduzem os policiais até Raimundo, que é jogado no chão, algemado e levado, sem camisa, para a caçamba de uma das picapes policiais. Diversas testemunhas presenciaram o fato. Meia hora depois da ocorrência, um vídeo que registrava a prisão do trabalhador chega às nossas mãos.
Às 23h30,
os investigadores no plantão explicam que Marabazinho havia sido preso em
flagrante pela Guarda Municipal, nadando no rio Xingu, fugindo de um crime que
teria cometido minutos antes: tentativa de assalto da filha de um policial
civil. Mostramos a foto de Raimundo. O investigador confirma ser ele o homem,
mas diz que o nome é diferente. Mostra a arma do crime – uma faquinha de pão
com cabo de plástico.
Segunda-feira,
16. Por
volta do meio dia, o delegado diz que Marabazinho está para ser liberado, e que
o suspeito da noite anterior não era ele, e sim um José qualquer. Também
explica que não foi nem será lavrado qualquer boletim de ocorrência.
Libertado,
Marabazinho conta:
- Pisaram
a minha cabeça, me empurraram. Deram uma gargantilha no meu pescoço, me
algemaram com brutalidade. Dá pra ver as manchas no meu braço e na minha perna.
Sobre
José, com quem foi confundido, Raimundo conta que também é trabalhador do
consórcio. Foi acusado – e aí a versão se altera, da madrugada para a manhã –
de ter tentado roubar uma moto.
O
proprietário da moto, contudo, teria menos de 18 anos, e preferiu retirar a
queixa. José alega que estava indo trabalhar quando começou a ser perseguido
por guardas municipais e nunca na vida pilotara uma moto.
Também
foi liberado da delegacia. Também não foi feito boletim da ocorrência.
- Esse aí
foi preso por desordem. Mas o nome dele não tá no caderno – diz um policial
qualquer, referindo-se a Marabazinho – e também ao fato de que não houve
boletim de ocorrência ou auto de prisão em flagrante.
E o
soldador deixou a delegacia sem saber porque entrou ou saiu.
- Foi a
pior noite da minha vida. Nunca tinha sido preso. Fiquei de pé até as 4 horas
da manhã, sem canto pra dormir no meio de outros 19 presos, sem comer e sem
beber água.
O vídeo
de sua detenção ilegal e sua própria memória são suas únicas provas em seu
favor. A maioria de seus colegas tem receio em testemunhar a seu favor, com
medo de sofrerem retaliação. Sobre isso, Marabazinho conclui:
- Se eu
tivesse fichado [contratado] ainda, e estivesse dando entrevista ou depoimento,
hoje mesmo eu estaria na rua. A perseguição aqui é muito grande com pessoas que
querem melhoria pra gente. Pessoa aqui não pode reclamar de nada, não. Se
reclamar, eles mandam logo pra rua.
*Fonte:
Movimento Xingu Vivo (Fotografias: Ruy Sposati)