Nesta terça-feira, 03 de abril, foram retomados parcialmente os
trabalhos nos canteiros de obra da hidrelétrica de Belo Monte, em
Altamira, Pará. Apesar do anúncio do fim do movimento paredista que agita a principal obra do Programa de Aceleração do Crescimento, a maior parte dos trabalhadores não teria voltado ao trabalho até esta quarta-feira, 04 de abril.
O Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da
Construção Pesada do Estado do Pará (Sintrapav) é a única organização
reconhecida pelo Consórcio Construtor de Belo Monte (CCBM). Esta prerrogativa
não é uma decisão da categoria formada por milhares de operários que sequer
participaram da eleição da atual diretoria.
O movimento espontâneo é algo semelhante ao que ocorreu nas greves
nas hidrelétricas no rio Madeira em 2011 e agora novamente em 2012: a base
atropelando suas direções sindicais para tentar alcançar os seus interesses trabalhistas.
A rebelião de base em Belo Monte tem seus motivos.
Além de pouca representatividade sindical, a direção do Sintrapav foi acusada
pelos operários de denominá-los de “baderneiros” ao invés de atender as suas reivindicações. Apesar de terem descontados o
imposto sindical diretamente em seus contracheques, a grande maioria dos
operários de Belo Monte sequer conhece a diretoria do sindicato.
A repressão desencadeada pela Polícia Militar no dia 02 de abril
trouxe junto episódios de como o Sintrapav e a CCBM atuaram para acabar com a greve.
Ainda na parte de manhã, um panfleto de responsabilidade do consórcio dizia que
a “paralisação não é a solução” e acusava “pessoas que desejam promover e
impedir que você exerça o seu direito de voltar ao trabalho!”. Veja a íntegra
do panfleto AQUI!
Na parte da tarde, foi a vez do sindicato da Força
Sindical soltar o seu panfleto em que se
afirma que por decisão judicial ele é “o LEGÍTIMO e ÚNICO REPRESENTANTE dos
trabalhadores da categoria e nenhuma FEDERAÇÃO, CENTRAL SINDICAL ou outra
ENTIDADE SINDICAL tem competência para fazer REIVINDICAÇÕES e melhorias para a
nossa categoria que é específica da Construção Pesada. Qualquer reivindicação tem
que ser através do SINTRAPAV”.
O festival de pérolas sindicais continua com a
determinação do retorno ao trabalho, com o aviso da ilegalidade da greve e
coaduna com a versão de “agentes externos” por trás da greve: “...várias
pessoas impediram o deslocamento dos ônibus na BR, tentando até mesmo violência
contras os trabalhadores que queriam ir trabalhar, a empresa CCBM e a Justiça
tem que garantir o direito ao trabalhador que quer ir trabalhar sem ser
constrangido e sem sofrer violência”.
Mas, além de atuar muito mais pelos interesses do
CCBM, o sindicato foi um verdadeiro braço ideológico contra os trabalhadores em
greve e contou para isto inclusive com a ajuda da Agência Brasil, que sem
nenhum enviado à Altamira, resolveu publicar uma matéria com a versão da greve
do sindicato e da Federação dos Trabalhadores na Indústria da Construção Pesada
(Fenatracop), ambos ligados à Força Sindical.
Veja
abaixo, a íntegra da notícia:
A matéria chega ao cúmulo de afirmar que já na
sexta-feira, 30 de março, a greve já havia sido encerrada, e que os episódios
que se sucederam “foram promovidos por movimentos sociais organizados
contrários a obras e não por representantes dos funcionários” que teriam
erguido “barricadas” para evitar o retorno dos operários ao trabalho.
Enquanto a CCBM,
Sintrapav e Fenatracop se
colocavam do mesmo lado do conflito, contra os trabalhadores em greve e os
movimentos sociais contrários a Belo Monte, estes sequer foram ouvidos pela
Agência que narrava uma versão da greve que em anda condizia com a realidade.
A matéria da Agência Brasil certamente serviu para
propagar a notícia de que a paralisação da obra já tinha encerrado e que era provocada por "agentes externos". O mais
curioso é que no dia 02 de abril, quando a matéria ia ar, ocorria a prisão de
um operário em greve, o uso de spray de pimenta contra a multidão de
trabalhadores próximos a uma danceteria, a formação de uma comissão de base, a
antecipação do pagamento dos operários, voos rasantes de um helicóptero com
policiais armados de fuzis sobre os grevistas, a presença intensa de policiais
com carros do CCBM. Todos estes acontecimentos foram narrados pelo jornalista Ruy Sposati, direto de Altamira, mas que passaram longe dos fatos narrados
pela Agência Brasil. A matéria "oficial" também nem cita
a pauta da greve, a morte de um trabalhador e as condições de trabalho dos operários, os
estopins do movimento.
A notícia aparentar ter ainda a clara função de
fortalecer o pedido de interdito proibitório feito pelo CCBM contra o Movimento
Xingu Vivo e até contra o próprio jornalista Ruy Sposati, que foram proibidos
judicialmente de se aproximarem dos trabalhadores em greve, numa clara ação de cerceamento da liberdade de expressão e de trabalho da imprensa, no que pese
que, do Movimento Xingu Vivo em Altamira, apenas o jornalista citado esteve
acompanhado o conflito e assim mesmo, apenas como jornalista, o que dirá
levantando “barricadas” numa rodovia.
As matérias de Sposati apresentaram um cenário do
que realmente se passava em Altamira e isto foi o que realmente incomodou o
CCBM e o Sindicato aliado. Tanto que horas antes da decisão judicial, o próprio
Sposati havia sido expulso do local de concentração de operários por policiais
militares, sob ordens do Consórcio, conforme ele mesmo narrou em seu twitter.
Aliás, policias militares atuam na região com carros pagos pela empresa responsável
pela construção da hidrelétrica, conforme fotografia abaixo, também de Ruy Sposati.
Nesta terça-feira, 03 de abril, os trabalhos
teriam sido retomados parcialmente em todos os canteiros, mas como declarou Atnágoras
Lopes, que esteve em Altamira pela CSP-Conlutas, “eles voltaram ao trabalho
pela pressão da polícia e pela omissão do sindicato em organizar a greve”. Em matéria desta quarta, o jornalista Ruy Sposati deu a dimensão do que realmente estava ocorrendo (Veja AQUI!).
Sem que a pauta e os motivos que paralisaram por sete dias os trabalhos na primeira grande hidrelétrica no rio Xingu tenham sido resolvidos, o caldo explosivo de trabalho precário, grande concentração de operários super-explorados e um sindicato fantoche deixa em aberto a possibilidade de novos conflitos estourarem a qualquer momento.
Leia também: Nota: A estapafúrdia criminalização da moléstia!