Por Leandro Fortes*
A Polícia Federal tem conhecimento, desde 2006, das ligações do bicheiro
Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, com o senador Demóstenes Torres,
do DEM de Goiás.
Três relatórios assinados pelo delegado Deuselino Valadares dos Santos,
então chefe da Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros (DRCOR), da
Superintendência da PF em Goiânia, revelam que Demóstenes tinha direito a 30%
da arrecadação geral do esquema de jogo clandestino, calculada em,
aproximadamente, 170 milhões de reais nos últimos seis anos.
Segundo relatório
da Polícia Federal, 30% é o percentual que o senador do DEM recebia do bicheiro
Carlinhos Cachoeira. Foto:Renato Araújo/ABr
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Na época, o império do bicheiro incluía 8 mil máquinas ilegais de
caça-níqueis e 1,5 mil pontos de bingos. Como somente no mês passado a jogatina
foi desbaratada, na Operação Monte Carlo, as contas apresentadas pela PF
demonstram que a parte do parlamentar deve ter ficado em torno de 50 milhões de
reais. O dinheiro, segundo a PF, estava sendo direcionado para a futura
candidatura de Demóstenes ao governo de Goiás, via caixa dois.
A informação, obtida por CartaCapital, consta de um Relatório Sigiloso de
Análise da Operação Monte Carlo, sob os cuidados do Núcleo de Inteligência
Policial da Superintendência da PF em Brasília. Dessa forma, sabe-se agora que
Demóstenes Torres, ex-procurador, ex-delegado, ex-secretário de Segurança
Pública de Goiás, mantinha uma relação direta com o bando de Cachoeira, ao
mesmo tempo em que ocupava a tribuna do Senado Federal para vociferar contra a
corrupção e o crime organizado no País.
O senador conseguiu manter a investigação tanto tempo em segredo por
conta de um expediente tipicamente mafioso: ao invés de se defender, comprou o
delegado da PF.
Deuselino Valadares foi um dos 35 presos pela Operação Monte Carlo, em
29 de fevereiro. Nas intercepções telefônicas feitas pela PF, com autorização
da Justiça, ele é chamado de “Neguinho” pelo bicheiro. Por estar lotado na
DRCOR, era responsável pelas operações policiais da Superintendência da PF em
todo o estado de Goiás. Ao que tudo indica, foi cooptado para a quadrilha logo
depois de descobrir os esquemas de Cachoeira, Demóstenes e mais três políticos
goianos também citados por ele, na investigação: os deputados federais Carlos
Alberto Leréia (PSDB), Jovair Arantes (PTB) e Rubens Otoni (PT).
Ao longo da investigação, a PF descobriu que, nos últimos cinco anos, o
delegado passava informações sigilosas para o bando e enriquecia a olhos
vistos. Tornou-se dono de uma empresa, a Ideal Segurança Ltda, registrada em
nome da mulher, Luanna Bastos Pires Valadares. A firma foi montada em sociedade
com Carlinhos Cachoeira para lavar dinheiro. Também comprou fazendas em
Tocantins, o que acabou por levantar suspeitas e resultar no afastamento dele
da PF, em 2011.
Escutas da Operação Monte Carlo mostram que o bicheiro citou mais três políticos goianos: Rubens Otoni (PT) (à esquerda), Carlos Alberto Leréia (PSDB) (centro) e Jovair Arantes (PTB) |
O primeiro relatório do delegado Deuselino Valadares data de 7 de abril
de 2006, encaminhado à Delegacia de Repressão a Crimes Contra o Patrimônio
(Delepat) da PF em Goiânia. Valadares investigava o escândalo da Avestruz
Master, uma empresa que fraudou milhares de investidores em Goiás, quando
conheceu o advogado Ruy Cruvinel. Cruvinel chamou Valadares para formar uma parceria
a fim de criar “uma organização paralela” à de Carlinhos Cachoeira. O suborno,
segundo o delegado, seria uma quantia inicial de 200 mil reais. Ele, ao que
parece, não aceitou e decidiu denunciar o crime.
Em 26 de abril de 2006, o relatório circunstanciado parcial 001/06,
assinado por Deuselino Valadares, revelou uma ação da PF para estourar o
cassino de Ruy Cruvinel, no Setor Oeste de Goiânia. Preso, Cruvinel confessou
que, dos 200 mil reais semanais auferidos pelo esquema (Goiás e entorno de Brasília),
50%, ou seja, 100 mil reais, iam diretamente para os cofres de Carlinhos
Cachoeira.
Outros 30% eram destinados ao senador Demóstenes Torres, cuja
responsabilidade era a de remunerar também o então superintende de Loterias da
Agência Goiânia de Administração (Aganp), Marcelo Siqueira. Ex-procurador,
Siqueira foi indicação de Demóstenes e do deputado Leréia para o cargo.
Curiosamente, ao assumir a função, um ano antes, ele havia anunciado que iria
“jogar duro” contra o jogo ilegal em Goiás.
Em 31 de maio de 2006, de acordo com os documentos da Operação Monte
Carlo, Deuselino Valadares fez o relatório derradeiro sobre o esquema, de forma
bem detalhada, aí incluído um infográfico do “propinoduto” onde o bicheiro é
colocado no centro de uma série de ramificações criminosas, ao lado do senador
do DEM e do ex-procurador Marcelo Siqueira. Em seguida, misteriosamente, o
delegado parou de investigar o caso.
“Verificado todo o arquivo físico do NIP/SR/DPF/GO não foi localizado
nenhum relatório, informação ou documentos de lavra do DPF DEUSELINO dando
conta de eventual continuidade de seus contatos com pessoas ligadas à
exploração de jogos de azar no Estado de Goiás”, registrou o delegado Raul
Alexandre Marques de Souza, em 13 de outubro de 2011, quando as investigações
da Monte Carlo estavam em andamento.
A participação do senador Demóstenes Torres só foi novamente levantada
pela PF em 2008, quando uma operação também voltada à repressão de jogo ilegal,
batizada de “Las Vegas”, o flagrou em grampos telefônicos em tratativas com
Carlinhos Cachoeira. Novamente, o parlamentar conseguiu se safar graças a uma
estranha posição da Procuradoria Geral da República, que recebeu o inquérito da
PF, em 2009, mas jamais deu andamento ao caso.
*Fonte Blog do Leandro Fortes (Carta Capital)