Apesar de
o projeto impactar agressivamente as fontes de sobrevivência socioeconômica e
cultural indígena, Constituição foi ignorada
O Ministério Público do Estado do Mato Grosso
(MP/MT), o Ministério Público Federal no Pará (MPF/PA) e no MT (MPF/MT)
ajuizaram na última sexta-feira, 16 de março, a quarta ação por irregularidades
no licenciamento ambiental da usina hidrelétrica de Teles Pires, uma das seis
barragens previstas para o rio de mesmo nome, que fica entre os dois Estados.
Os procuradores da República e promotores de
Justiça autores da ação pedem que a Justiça determine ao Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e à Empresa de
Pesquisa Energética (EPE) a suspensão imediata do licenciamento e das obras da
usina. O motivo é o não cumprimento da determinação constitucional que obriga a
realização de consulta livre, prévia e informada dos povos indígenas afetados.
Apesar de o projeto impactar de forma direta e
agressiva as fontes de sobrevivência socioeconômica e cultural dos povos
Kayabi, Munduruku e Apiaká, as comunidades não foram ouvidas.
Além de violar o artigo 231 da Constituição e
diversas convenções internacionais das quais o Brasil é signatário, como a
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, a não realização da
consulta desobedece vasta jurisprudência do Sistema Interamericano de Direitos
Humanos, alerta o MP.
“Considerando-se que a política energética atual do
estado brasileiro para a Amazônia compreende a produção de energia a partir do
barramento dos rios, o direito à consulta, conforme estabelecido na
Constituição e na Convenção 169 merece relevo, na medida em que sua efetivação
pelo poder público é obrigatória nesse contexto e é condição para a segurança
das comunidades e livre exercício dos direitos humanos e fundamentais daqueles
povos indígenas cujo modo de vida inerente ao rio passa a ser ameaçado por
usinas hidrelétricas”, afirma o texto da ação assinada pelos promotores de
Justiça Hellen Uliam Kuriki e Luciano Martins da Silva (MP/MT) e pelos
procuradores da República Felício Pontes Jr. (MPF/PA) e Márcia Brandão
Zollinger (MPF/MT).
Falhas e impactos brutais – As três primeiras ações
do MP já haviam apontado falhas graves no processo de licenciamento (estudos
ambientais incompletos, problemas nas audiências públicas e a não realização de
ações obrigatórias que poderiam reduzir os impactos da obra), mas mesmo assim o
Ibama concedeu a licença de instalação, em 19 de agosto do ano passado. Quatro
dias depois as obras foram iniciadas pelo consórcio construtor, formado por
Odebrecht Energia, Voith Hydro e Alstom.
A ação do MP ressalta dados que mostram a
existência de danos iminentes e irreversíveis para a qualidade de vida e
patrimônio cultural dos povos indígenas da região. Dentre eles está, por
exemplo, a inundação das corredeiras de Sete Quedas, berçário natural de
diversas espécies de peixes. “As cachoeiras de Sete Quedas, que ficariam
inundadas pela barragem, são o lugar de desova de peixes que são muito
importantes para nós, como o pintado, pacu, pirarara e matrinxã”, registra
texto de um manifesto indígena citado na ação.
Além da sobrevivência física, Sete Quedas é
fundamental para a sobrevivência cultural dos povos indígenas. Para eles, é uma
área sagrada, relevante para suas crenças, costumes, tradições, simbologia e
espiritualidade. Como patrimônio cultural brasileiro, é um bem protegido pela
Constituição, destacam os procuradores da República e promotores de Justiça,
que citam, ainda, normas internacionais de proteção ao patrimônio cultural
imaterial.
Outras ameaças à vida indígena citadas pelo MP são
os iminentes conflitos gerados pelo aumento do fluxo migratório na região, como
a especulação fundiária, desmatamento ilegal, pesca predatória e exploração
ilegal de recursos minerais. Como a demarcação de uma das Terras Indígenas, a
Kayabi, está pendente há quase 20 anos, essas ameaças são ainda maiores, diz o
MP.
Fonte: Ministério
Público Federal no Pará