Órgão diz que cobrança está prevista em lei, mas
nunca foi feita; Pará pode ter abdicado de até US$ 100 bi em 10 anos
Carlos Mendes*
O Pará
está jogando fora uma fortuna que poderia reduzir seus índices africanos de
pobreza. Ele deixa de arrecadar R$ 5 bilhões por ano com a exploração dos
recursos hídricos por empresas mineradoras que atuam no Estado. A cobrança, que
não é taxa ou imposto, está prevista em lei, mas nunca foi feita. A omissão já
dura mais de dez anos.
As
empresas usufruem de outorga gratuita e ainda gozam de renovação sistemática
das licenças a cada dois anos. Se a cobrança fosse realizada hoje e as
mineradoras tivessem de pagar tudo o que deixaram de recolher em mais de uma
década, segundo especialistas consultados pelo Estado, a dívida seria de US$ 80
bilhões a US$ 100 bilhões, o equivalente a quase duas vezes o Produto Interno
Bruto do Pará.
A Ordem
dos Advogados do Brasil no Pará (OAB/PA) decidiu exigir do governo estadual que
a cobrança seja feita. O presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB, Ismael
Moraes, argumenta que "inexiste qualquer motivo para que as empresas que
utilizam as águas paraenses sejam isentadas de pagamento como está ocorrendo há
mais de uma década".
Moraes,
em ofício enviado à Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), disse que a
OAB quer fazer parte do Conselho de Recursos Hídricos do órgão para pressionar
pela cobrança. O Conselho existe no papel, mas nunca funcionou. Hoje, somente
Ceará e São Paulo cobram pelo uso industrial da água.
Como os
rios e mananciais são de domínio exclusivo do Estado, compete a ele cobrar e
utilizar os recursos. A Agência Nacional de Águas (ANA) tem atribuições quando
se trata de rios do domínio da União. Os únicos que hoje são obrigados a pagar
ao Estado são os pequenos consumidores.
Também
são os únicos que a Sema fiscaliza e autua caso cavem um poço artesiano no
fundo do quintal sem autorização.
As
indústrias, segundo especialistas ouvidos pelo Estado, consomem a média de 3,5
bilhões de litros de água no processamento dos minerais. Os gastos também são
grandes no resfriamento dos lingotes de alumínio e nas refinarias de alumina.
Mas é no transporte de bauxita e caulim pelos minerodutos que o consumo é
astronômico.
Além de
não cobrar, o Estado não possui nenhum controle sobre o que é consumido pelas
mineradoras. Técnicos que atuam nos projetos estimam, com base nas centenas de
milhões de m³ de água utilizados nas indústrias minerais, multiplicadas por
apenas 30% do valor cobrado pela Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa) do
consumidor doméstico, que o Estado perca mais R$ 800 milhões apenas com o
mineroduto de 244 km da norueguesa Norsk Hydro, que leva bauxita de
Paragominas, no leste do Pará, para Barcarena, polo industrial próximo a Belém.
O diretor
do Sindicato das Indústrias Minerais do Estado do Pará (Simineral), José
Fernando Júnior, afirma que o setor cumpre a legislação. Ele confirmou que as
mineradoras são licenciadas pela Sema e que não pagam pela exploração da água.
"Nós somos autorizados pelo órgão ambiental, que concede a outorga e faz a
renovação a cada dois anos." O governo do Pará e a Sema não quiseram se
pronunciar.
*Fonte: O Estado de S.Paulo