Nos
últimos dias a Superintendência Regional do Incra em Santarém, oeste do Pará,
voltou a ser abalada por denúncias de irregularidades que já chegaram à
Presidência da autarquia em Brasília e ao Ministério Público Federal.
Desta
vez, o centro do problema seria o mal uso de recursos do Programa Crédito
Instalação, envolvendo o pagamento de obras sequer iniciadas em projetos de
assentamentos em Alenquer e em Santarém.
A
denúncia foi sistematizada em documento assinado por dez servidores do Incra em
Santarém que compõem a Comissão de Crédito na Superintendência. O grupo de
servidores comunicou “ocorrências verificadas recentemente na operacionalização
do Programa Crédito Instalação e solicitar providências no sentido apurá-las”
em oficio circular contendo documentos que comprovam as denúncias e apontam
outros indícios.
É
relatado que servidores que não pertencem ao setor foram designados pelo
Superintendente Regional, Francisco Carneiro, no início do ano de 2012 para
aplicar créditos nas comunidades Universal e Santo Antônio, ambas no Projeto de
Assentamento Moju I e II, em Santarém e no Projeto de Assentamento Curumu, em Alenquer.
A
Comissão de Servidores informa que além de não terem sido informados da
designação, passaram a receber inúmeras denúncias de má aplicação dos recursos
por parte de assentados. “Verifica-se que, embora haja Comissão de Crédito
constituída, a Superintendência está centralizando a aplicação dos recursos no
gabinete, de modo que a coordenação da Comissão não tem acesso aos
procedimentos em curso, sequer aos processos administrativos”, afirmam os
servidores.
Os
problemas se ampliam com denúncias do uso de uma empresa para a construção das
habitações que poderiam ser feita pelos próprios assentados, conforme era
executado em outros assentamentos da região em anos anteriores. Com o gasto
extra e o limite máximo de 15.000,00 reais por assentado, tem-se como consequência a má
qualidade das habitações a serem construídas. Membros da comunidade que não
aceitavam as mudanças na forma de aplicação do crédito, teriam sido coagidos a
aceitar sob a pena de serem substituídos, inclusive por assentados pertencentes
a outras comunidades.
No
principal trecho do documento, afirma-se que “ainda em 27 de fevereiro, em
contato telefônico, o presidente da Associação do PA Curumu informou que estava
sendo operacionalizada a modalidade Aquisição de Materiais de Construção
naquele projeto, por meio da construtora, a qual teria sido, de acordo com o
representante, apresentada como vencedora pelo Superintendente Regional,
contudo, não consta no processo a documentação referente à seleção de
fornecedores. O presidente da entidade informou, ainda, que 50% do valor já
havia sido liberado pelo INCRA. No dia 28 de fevereiro, o senhor Cristovam
Pereira Cardoso, pedreiro contratado para construir as habitações dos
assentados do PA Curumu esteve no setor de Crédito e, sendo questionado pelos servidores,
relatou que as habitações naquele local teriam as medidas de 7X6m, acabamento
sem pintura e que os beneficiários deveriam optar entre o reboco ou o piso em
suas respectivas habitações. Segundo declarou, o valor pago ao pedreiro por
cada residência seria de R$ 3.200,00 (extrapolando o valor fixado pela
normativa) e confirmou que 50% do valor já teria sido liberado.”
Ofício
da Central das Associações de Assentados e Assentadas da Reforma Agrária do
Estado do Pará, entidade que congrega as organizações do PA Moju I e II,
denuncia a existência de irregularidades na operacionalização do Programa nas
comunidades Santo Antônio e Universal, atestando que não ocorreu sequer entrega
de material de construção no local.
O
pagamento antecipado do crédito e não após a conclusão da construção de casas
fere os normativos internos do Incra. O Grupo de servidores comprova o
pagamento com cópias de ofícios de pagamentos e Notas Fiscais de Serviço
obtidas junto ao Banco do Brasil demonstram as seguintes liberações em favor da
empresa Sanecom Saneamento e Construção Civil LTDA:
a)
R$ 180.000,00, oriundos da Conta da Conta Corrente Vinculada da Associação do
PA Curumu, no dia 20/01/2012;
b)
R$ 118.500,00, oriundos da Conta Corrente Vinculada da Associação da Comunidade
Santo Antônio, no dia 23/02/2012;
R$
225.000,00, oriundos da Conta Corrente Vinculada da Associação da Comunidade Universal, no PA Moju I e II, no dia 06/02/2012.
Os
servidores afirmam que indicação da empresa não foi precedida de pesquisa de
preços em, no mínimo, três fornecedores, atendendo o menor preço e também o
princípio da isonomia, conforme determina a Norma de Execução Incra n°79. Da
mesma forma, a antecipação do pagamento sem o devido fornecimento dos materiais de construção e sem a execução dos serviços é expressamente vedado pela normativa vigente.
“Contrariamente
a essa orientação, verificamos que foi liberado o montante de R$ 523.500,00 à
mesma empresa, em três lugares diferentes, sem que tenha ocorrido a construção
das habitações, nem que haja garantia de que serão construídas”, afirmam os
servidores com a devida documentação anexada à denúncia.
Os
servidores encaminharam as denúncias para a Procuradoria Federal Especializada
do Incra em Santarém na semana passada. Parte deles também foi ouvida no
Ministério Público Federal que requisitou os processos administrativos
referentes às denúncias e está investigando a denúncia. A presidência do Incra
também já teria recebido cópia das denúncias e encaminhado para o Ministério do
Desenvolvimento Agrário e à Casa Civil.
Retaliações
Em
carta enviada para diversos servidores do Incra, Fagner Garcia, técnico
administrativo que chefiou a divisão responsável pela aplicação de créditos na
gestão anterior, denunciou que a atual gestão passou a atuar coagindo os
servidores que realizaram a denúncia e que uma servidora terceirizada fora
demitida por supostamente ter ajudado os demais servidores a fazerem as
denúncias.
“Todo
esse processo foi marcado por boatos dos mais diversos e declarações
descabidas, atribuídas a membros da gestão da SR, que tentavam caracterizar a
denúncia das irregularidades (que é uma obrigação funcional) como
"sublevação", "motim", etc dos servidores do Crédito,
criando um clima de beligerância. Processos foram retirados do setor, a
coordenadora da Comissão de Crédito passou a ter sua autoridade esvaziada pela
administração superior, servidores identificados como "líderes" ou
"incitadores" da "revolta" foram convocados ao Gabinete...
fatos que provocaram, inclusive, o pedido de exoneração da Chefe do Serviço de
Infra-Estrutura, ao qual o Crédito se subordina. Por derradeiro, em flagrante
desrespeito da legislação trabalhista, a terceirizada do Setor de Crédito teve
suas férias agendadas com um dia de antecedência (foi comunicada no dia 29/02
que entraria em férias no dia 01/03). Tendo questionado, acertadamente, as
razões do ocorrido, soube que seu afastamento fora motivado por pedido do
INCRA. Na manhã de hoje, sem qualquer justificativa ou explicação, a
terceirizada foi demitida e dispensada do cumprimento do Aviso Prévio, isto é,
foi ordenado seu afastamento imediato” afirma trecho do carta.