Fotografia: Ariovaldo Umbelino de Oliveira in 'Amazonia Revelada' (não incluída na matéria original) |
Mais de 50 anos depois, Supremo julga ação mais antiga
Felipe Seligman*
Depois
de meio século, três novas Constituições e nove ministros-relatores, finalmente
foi julgada nesta quinta-feira (15) a ação que há mais tempo tramitava no STF
(Supremo Tribunal Federal) e que questionava concessões de terras pelo Estado
do Mato Grosso no início da década de 1950.
Todos
os ministros reconheceram que houve inconstitucionalidade tais concessões de
áreas públicas, mas a maioria preferiu julgar "improcedente" a ação,
levando em conta a insegurança jurídica que poderia gerar, caso o tribunal
declarasse a nulidade daqueles atos.
A
ACO (Ação Cível Originária) número 79 chegou ao Supremo em meados de 1959. Naquele
momento, o Brasil recém tinha vencido seu primeiro campeonato mundial de futebol,
a sede da Suprema Corte ainda era no Rio de Janeiro e seus atuais membros eram,
na melhor das hipóteses, adolescentes. Um deles, José Antonio Dias Toffoli
ainda precisaria esperar 8 anos para nascer.
O
caso discutido era polêmico. Segundo o ministro Marco Aurélio Mello, "à
época foi um verdadeiro escândalo nacional". Entre 1952 e 1954, o governo
de Mato Grosso concedeu o domínio de milhares de hectares de terras para
particulares, empresas e pessoas físicas.
A Constituição que vigorava na época dizia que a alienação de áreas com mais de 10 mil hectares deveria ser aprovada pelo Senado Federal. O Estado do Mato Grosso, no entanto, ignorou a regra constitucional e doou, sem o crivo dos senadores, 100 mil hectares para uns, 200 mil ou até 300 mil hectares para outros.
Alguns
anos depois, em 59, a União entrou com a ação no Supremo, argumentando que tudo
aquilo era nulo.
O
tempo passou, vieram as Constituições de 1967, 1969 (Emenda Constitucional no
1) e a de 1988 que, aos poucos, limitaram ainda mais a possibilidade de
alienação das terras. Hoje, o Congresso Nacional (não mais o Senado) deve
aprovar qualquer concessão de terra acima de 2.500 hectares.
No
julgamento desta quinta-feira, os ministros entenderam que, de fato, houve
irregularidade. O relator, no entanto, argumentou que, naquelas áreas hoje
existem municípios, hospitais, pistas de voo. Também afirmou que as áreas foram
divididas e povoadas por famílias, que ficariam desamparadas caso perdessem
hoje suas terras.
Com
base em princípios da segurança jurídica e da boa fé, ele decidiu julgar a ação
improcedente e foi seguido por Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli e Cármen
Lúcia.
Já
os colegas Ricardo Lewandowski, Carlos Ayres Britto e Marco Aurélio Mello
entenderam que a inconstitucionalidade não poderia ser ignorada. "O STF
não pode virar a cara para as Cartas de 46, 67, 69 e 88 e, só pela passagem do
tempo, julgar o pedido improcedente", argumentou Marco Aurélio.
Ele
também citou um documento que recebeu da construtora Camargo Corrêa, que pedia
ao Supremo não votar a favor da anulação das concessões, para dizer que boa
parte das terras estão hoje nas mãos de grandes empresas.
"A
segurança jurídica está em se respeitar a Constituição. Não em jogar essa Carta
no lixo", argumentou o ministro.
*Fonte: Folha