Numa
tentativa de reavivar o caso do assassinato da missionária Dorothy Stang, um
dos condenados diz que a arma do crime foi fornecida por um delegado
Aline
Ribeiro*
Foram
pilhas de processos, dezenas de depoimentos e, ao final, cinco condenados que,
juntos, somam 122 anos de pena. A despeito da complexidade jurídica, há quem
insista em costurar outro desfecho para o assassinato da missionária americana
Dorothy Stang, em fevereiro de 2005, na cidade de Anapu, no Pará. Amair Feijoli
da Cunha, o Tato, condenado a 18 anos como intermediador do crime, é só um
deles. Sob a justificativa de estar arrependido de declarações mentirosas
feitas no passado, ele viajou do interior até a capital, Belém, para se
confessar diante de um culto evangélico. Também procurou a reportagem de ÉPOCA
para revelar aquilo que diz ser “a verdade” sobre a manhã em que Dorothy foi
morta com seis tiros à queima-roupa. Apontou um novo envolvido e uma nova
origem para a arma do crime.
Foto: Janduari Simões/ÉPOCA |
A
entrevista ocorreu no começo do mês, dias depois do espetáculo na igreja. Tato
chegou acompanhado de um pastor e de uma assistente social que trabalha em
presídios. Empenhou-se para se portar como um homem de bem e educado. Falou
baixo, gesticulou pouco, deu passagem para as damas para só depois avançar. Não
se exaltou em momento algum, nem ao falar sobre temas espinhosos. Tato trouxe à
tona um fato novo – e importante – para o caso. Afirmou, pela primeira vez em
sete anos, que a arma usada no crime pelo pistoleiro Rayfran das Neves, também
condenado e cumprindo pena, foi fornecida pelo então delegado da Polícia Civil
de Anapu, Marcelo Luz. A informação, por si só, é suficiente para que o
Ministério Público do Pará ou a Secretaria de Segurança Pública abram um novo
inquérito para investigar o acusado.
“Principalmente por se tratar de um funcionário público, isso precisa ser averiguado”, diz Edson Cardoso, promotor de acusação do caso. Segundo Tato, o delegado Luz lhe entregou o revólver calibre 38 para ele se proteger de possíveis invasões dos agricultores liderados por Dorothy. O alvo da disputa entre os fazendeiros que grilavam terras e os clientes da reforma agrária era o lote 55, uma área pública, cujo destino só cabe ao governo federal. O plano de Dorothy era assumir as propriedades controladas por grileiros e repassá-las, com a anuência da lei, aos sem-terra.
“Principalmente por se tratar de um funcionário público, isso precisa ser averiguado”, diz Edson Cardoso, promotor de acusação do caso. Segundo Tato, o delegado Luz lhe entregou o revólver calibre 38 para ele se proteger de possíveis invasões dos agricultores liderados por Dorothy. O alvo da disputa entre os fazendeiros que grilavam terras e os clientes da reforma agrária era o lote 55, uma área pública, cujo destino só cabe ao governo federal. O plano de Dorothy era assumir as propriedades controladas por grileiros e repassá-las, com a anuência da lei, aos sem-terra.
Não é a
primeira vez que o nome de Luz é associado ao crime. Ele já havia sido acusado
durante as investigações de pedir propina aos fazendeiros. Em troca, segundo
essas acusações, prometia proteger os lotes da invasão dos agricultores. O
próprio Tato descreve, em detalhes, uma reunião na estrada a caminho do
aeroporto de Anapu em que o delegado Luz pedia R$ 10 mil por serviços de
segurança privada. Ganhava corpo ali uma espécie de milícia armada, semelhante
às estabelecidas em favelas do Rio de Janeiro. Pelo trabalho sujo, à época o
delegado foi afastado das investigações do assassinato de Dorothy
Stang, além de ter respondido a um processo administrativo. Voltou à ativa, e hoje está como chefe da delegacia de Viseu, no nordeste do Pará.
Stang, além de ter respondido a um processo administrativo. Voltou à ativa, e hoje está como chefe da delegacia de Viseu, no nordeste do Pará.
A Polícia
Federal (PF), responsável pela sindicância, não conseguira rastrear o
verdadeiro trajeto da arma usada no assassinato – mesmo depois de uma pesquisa
exaustiva. “Sabemos que o revólver é da empresa Taurus e que foi entregue para
Rayfran pelo Tato”, afirma Ualame Machado, delegado da PF. “Mas como ele foi
parar nas mãos do Tato nunca ficou esclarecido.” A pistola foi fabricada antes
de 1997, quando ainda não era obrigatório no Brasil registrar uma arma de fogo
ao comprá-la. Procurado por ÉPOCA, o delegado Marcelo Luz não se pronunciou.
Convertido
depois do crime, Tato deu início à saga do homem arrependido numa igreja de
Belém no começo do mês. Saiu da zona rural de Tailândia, onde tem uma fazenda
de gado, e viajou quatro horas para a capital – exclusivamente para dar um
“testemunho” (gravado em vídeo) num templo evangélico. No microfone, agradeceu
pela força e paciência de Deus. E pediu perdão por ter apontado o que chamou de
dois inocentes como mandantes do crime – Regivaldo Pereira Galvão, o Taradão, e
Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, hoje presos em consequência de depoimentos
anteriores de Tato. Diante dos fiéis de sua igreja, afirmou ainda que o
verdadeiro responsável pela morte continua solto. Não mencionou o nome. “Isso
dói muito no coração da gente”, disse, interrompido por gritos de “amém” e
“glória Deus” vindos da plateia.
As razões
de Tato para tentar reavivar as investigações podem ir além da pura culpa
cristã. Os mandantes podem: 1) ter lhe pagado pela encenação, na tentativa de
conseguir a liberdade; 2) ter ameaçado sua família. Ao final da entrevista,
como para reforçar a fleuma de bom moço, Tato ofereceu à reportagem de ÉPOCA
uma rosa vermelha vendida no semáforo. “É pelo dia das mulheres.”
*Fonte:
Época