sábado, 17 de março de 2012

Caso Dorothy: Um drama com um novo capítulo



Numa tentativa de reavivar o caso do assassinato da missionária Dorothy Stang, um dos condenados diz que a arma do crime foi fornecida por um delegado
Aline Ribeiro*
Foram pilhas de processos, dezenas de depoimentos e, ao final, cinco condenados que, juntos, somam 122 anos de pena. A despeito da complexidade jurídica, há quem insista em costurar outro desfecho para o assassinato da missionária americana Dorothy Stang, em fevereiro de 2005, na cidade de Anapu, no Pará. Amair Feijoli da Cunha, o Tato, condenado a 18 anos como intermediador do crime, é só um deles. Sob a justificativa de estar arrependido de declarações mentirosas feitas no passado, ele viajou do interior até a capital, Belém, para se confessar diante de um culto evangélico. Também procurou a reportagem de ÉPOCA para revelar aquilo que diz ser “a verdade” sobre a manhã em que Dorothy foi morta com seis tiros à queima-roupa. Apontou um novo envolvido e uma nova origem para a arma do crime.

Foto: Janduari Simões/ÉPOCA
A entrevista ocorreu no começo do mês, dias depois do espetáculo na igreja. Tato chegou acompanhado de um pastor e de uma assistente social que trabalha em presídios. Empenhou-se para se portar como um homem de bem e educado. Falou baixo, gesticulou pouco, deu passagem para as damas para só depois avançar. Não se exaltou em momento algum, nem ao falar sobre temas espinhosos. Tato trouxe à tona um fato novo – e importante – para o caso. Afirmou, pela primeira vez em sete anos, que a arma usada no crime pelo pistoleiro Rayfran das Neves, também condenado e cumprindo pena, foi fornecida pelo então delegado da Polícia Civil de Anapu, Marcelo Luz. A informação, por si só, é suficiente para que o Ministério Público do Pará ou a Secretaria de Segurança Pública abram um novo inquérito para investigar o acusado.

“Principalmente por se tratar de um funcionário público, isso precisa ser averiguado”, diz Edson Cardoso, promotor de acusação do caso. Segundo Tato, o delegado Luz lhe entregou o revólver calibre 38 para ele se proteger de possíveis invasões dos agricultores liderados por Dorothy. O alvo da disputa entre os fazendeiros que grilavam terras e os clientes da reforma agrária era o lote 55, uma área pública, cujo destino só cabe ao governo federal. O plano de Dorothy era assumir as propriedades controladas por grileiros e repassá-las, com a anuência da lei, aos sem-terra.

Não é a primeira vez que o nome de Luz é associado ao crime. Ele já havia sido acusado durante as investigações de pedir propina aos fazendeiros. Em troca, segundo essas acusações, prometia proteger os lotes da invasão dos agricultores. O próprio Tato descreve, em detalhes, uma reunião na estrada a caminho do aeroporto de Anapu em que o delegado Luz pedia R$ 10 mil por serviços de segurança privada. Ganhava corpo ali uma espécie de milícia armada, semelhante às estabelecidas em favelas do Rio de Janeiro. Pelo trabalho sujo, à época o delegado foi afastado das investigações do assassinato de Dorothy
Stang, além de ter respondido a um processo administrativo. Voltou à ativa, e hoje está como chefe da delegacia de Viseu, no nordeste do Pará.


A Polícia Federal (PF), responsável pela sindicância, não conseguira rastrear o verdadeiro trajeto da arma usada no assassinato – mesmo depois de uma pesquisa exaustiva. “Sabemos que o revólver é da empresa Taurus e que foi entregue para Rayfran pelo Tato”, afirma Ualame Machado, delegado da PF. “Mas como ele foi parar nas mãos do Tato nunca ficou esclarecido.” A pistola foi fabricada antes de 1997, quando ainda não era obrigatório no Brasil registrar uma arma de fogo ao comprá-la. Procurado por ÉPOCA, o delegado Marcelo Luz não se pronunciou.

Convertido depois do crime, Tato deu início à saga do homem arrependido numa igreja de Belém no começo do mês. Saiu da zona rural de Tailândia, onde tem uma fazenda de gado, e viajou quatro horas para a capital – exclusivamente para dar um “testemunho” (gravado em vídeo) num templo evangélico. No microfone, agradeceu pela força e paciência de Deus. E pediu perdão por ter apontado o que chamou de dois inocentes como mandantes do crime – Regivaldo Pereira Galvão, o Taradão, e Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, hoje presos em consequência de depoimentos anteriores de Tato. Diante dos fiéis de sua igreja, afirmou ainda que o verdadeiro responsável pela morte continua solto. Não mencionou o nome. “Isso dói muito no coração da gente”, disse, interrompido por gritos de “amém” e “glória Deus” vindos da plateia.

As razões de Tato para tentar reavivar as investigações podem ir além da pura culpa cristã. Os mandantes podem: 1) ter lhe pagado pela encenação, na tentativa de conseguir a liberdade; 2) ter ameaçado sua família. Ao final da entrevista, como para reforçar a fleuma de bom moço, Tato ofereceu à reportagem de ÉPOCA uma rosa vermelha vendida no semáforo. “É pelo dia das mulheres.”

*Fonte: Época
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