Divulgo a seguir o manifesto da comunidade
quilombola Rio dos Macacos, na Bahia, que vem sofrendo um duro embate de resistência em
seu próprio território devido ações de violência promovidas pela Marinha do
Brasil.
A Marinha como inimiga histórica da população
negra do Brasil - vide o exemplo da Revolta da Chibata, em 1910, e, 100 anos
depois, os recentes eventos ocorridos em Alcântara, no Maranhão, em Marambaia,
no Rio de Janeiro, e, agora, no Quilombo Rio dos Macacos, Bahia, onde mais uma
vez o Ministério da Defesa, através da Marinha, corre o risco de responder numa
corte internacional dada a situação de violações composta por um repertório que
passa desde o impedimento de crianças irem à escola até a negação de socorro a
pessoas centenárias. No território quilombola do Rio dos Macacos, oficiais da
Marinha estão diretamente implicados em casos que levaram até mesmo a óbito.
Se tem uma expressão entre os poderes no Brasil
que não conhecemos são as Forças Armadas, que se constituíram no País desde o
início do século XIX com a missão de caçar negros e indígenas, impedindo
qualquer forma de organização política destes dois segmentos . Ao longo do
século XX, esta mesma instituição se articulou e cresceu no Brasil, sustentada
por três pilares: trata-se de uma organização patrimonialista, sectária e
focada na estratégia de guerra onde a maioria da população é tratada como
inimiga. Só por isso foi possível atravessarmos o século XX com intervalo de
democracia e realidade de ditadura, pois o último princípio de sustentação das
forças armadas no Brasil conta com o elemento de ausência de qualquer mecanismo
de diálogo e controle social por parte da população.
Portanto, o que está acontecendo em Rio dos
Macacos coloca a Marinha em rota de colisão com a sociedade democrática de
direitos, onde todas as instituições do Estado estão funcionando. A Marinha,
enquanto instituição anunciada em sua missão de defesa, tem atuado
constantemente violando os direitos humanos dessa e de outras comunidades que
por gerações inteiras lutaram para conquistar, implicando na negação do direito
de ir e vir, de expressão, de organização política, de acesso aos serviços
básicos, como educação e saúde, do modo ser e fazer das comunidades que habitam
secularmente e que tiveram seus territórios invadidos datado nos últimos 50
anos.
Nos últimos meses, como forma de enfrentar a organização
política da comunidade Rio dos Macacos e da solidariedades de muitos grupos da
Bahia e do Brasil, a Marinha protagonizou inúmeras ações violentas a exemplo do
assédio diário à comunidade com dezenas de fuzileiros armados; invasão de
domicílios atentando contra os direitos das mulheres; uso ostensivo de
armamento exclusivo das forças armadas criando verdadeiros traumas em crianças,
adolescente e idosos, que tiveram casas invadidas e armas apontadas para as
suas cabeças; impedimento das atividades econômicas tradicionalmente
desenvolvidas pela comunidade, como a agricultura e a pesca de subsistência
como forma de inviabilizar a permanência no território.
Um saldo desse conflito desigual se evidencia no
grande número de crianças, adolescentes e adultos que foram impedidas ou que
foram forçadas a desistir de frequentar a escola. Na comunidade de Rio dos
Macacos, dois fuzileiros ficavam de prontidão num ponto denominado pela
comunidade como “barragem” para impedir a saída e entrada de pessoas, e quem
insistiu foi espancado, preso e humilhado publicamente como castigo exemplar.
Desde a década de 1970 que mais de 50 famílias foram expulsas do território e
se mantém alto nível de hostilidade aos que permaneceram resistindo.
A disputa não se dá apenas no campo objetivo, pois
a Marinha, ao destruir dois terreiros de Candomblé em Rio dos Macacos, também
estabeleceu uma guerra contra a sustentação simbólica, que incide diretamente
no ataque à memória, à cultura e às tradições, elementos fundamentais à
identidade quilombola. Neste ponto, a Marinha viola todos os protocolos
internacionais assinados pelo Brasil, a exemplo da Declaração de Durban,
resultante da 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, na África do Sul, em
2001.
Diante da ampla mobilização e denúncias tão
contundentes, diferentes órgãos e instâncias da administração pública do
Governo Federal (SEPPIR, FCP, AGU, PGF, PGU, MDA,INCRA, MINISTÉRIO DA DEFESA E
SECRETARIA GERAL DA PRESIDENCIA), implicados na garantia dos direitos das
comunidades quilombolas, garantido no artigo 68 dos atos das disposições
transitórias da Constituição Federal de 1988, que garante que “aos
remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é
reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os
respectivos títulos”, regulamentado no decreto 4887/2003, em conformidade com
Convenção 169 da OIT, tomaram como decisão realizar imediatamente o RTID
(Relatório Técnico de Identificação e Delimitação), que é uma peça técnica
fundamental para que a presença da comunidade no território seja entendida
pelos poderes públicos.
Estranhamente e de forma arbitrária, a Marinha
achou-se no direito de impedir um órgão da administração federal, o INCRA, de
cumprir com o dever constitucional e o acordo institucional firmado no dia 3 de
novembro de 2011. No dia 09 de dezembro, a Marinha anunciou que não ia permitir
a entrada dos técnicos do INCRA no local, alegando que as ações daquele órgão
no sentido de realizar os estudos necessários à regularização das terras dos
quilombolas e assim cumprir o que manda a Constituição seriam incompatíveis com
o interesse público. Leia-se, como interesse de ampliar a Vila dos Militares.
Desta forma, enquanto a Presidenta descansa sem
talvez saber o que se passa a poucos metros da caserna, guarnecida pelo aparato
militar, também o INCRA e seus servidores estão sob ameaça, pois a Marinha, nos
termos do documento anexo, promete, “utilizando-se dos meios permitidos em
Regulamento para inibir qualquer prática atentatória à perda das garantias de
manutenção da Dominialidade Federal da região”, barrar o processo de realização
dos direitos constitucionais da comunidade. Por tudo relatado, exigimos
providências imediatas por parte da Presidenta da República e pelo Ministro da
Defesa, pelo fim da violação dos direitos humanos, pelo garantia dos direitos
quilombolas e pela imediata regularização fundiária do Território da Comunidade
Quilombola Rio dos Macacos!!!
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